Título: Juiz denuncia venda de sentenças
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/01/2005, Nacional, p. A9

O Ministério Público abriu investigação sobre suposto "comércio de sentenças" na Justiça do Maranhão. Antonio Fernando Bayma Araujo, desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, decano da Corte, é o autor da denúncia. Em sessão plenária, pública, realizada em 15 de dezembro, ele declarou enfaticamente que se sentia "envergonhado" ao saber que assessores de desembargadores estariam negociando sentenças pelos corredores do TJ.

"Assessores assumem o comando do barco e alguns desembargadores ficam à deriva", declarou Bayma, que não foi contestado. Nenhum colega de toga o apartou. "Tenho a consciência tranqüila", ele diz. "Minha vida é limpa, exerço minha função com zelo, independência, imparcialidade."

As revelações do decano, que apontam para uma versão maranhense da Anaconda - suposto esquema de venda de sentenças em setores da Justiça Federal em São Paulo -, agitaram a Corte de São Luís. "Não sei se é uma Anaconda, mas é uma manipulação que se a gente não botar logo o pau em cima vai virar um negócio muito grave", alerta o desembargador.

O Colégio de Desembargadores do TJ agiu rápido: realizou sessão administrativa secreta e abriu sindicância para apurar toda a história. A Procuradoria-Geral de Justiça requisitou cópia das fitas com a gravação do relato de Bayma.

"Fiz um desabafo porque tenho que preservar minha instituição", afirma o decano. "Meus colegas devem abrir os olhos. No meu gabinete não tem disso porque eu mesmo escrevo os meus votos. Não vou indicar nomes porque os meus não fazem isso."

A irritação do desembargador teve origem na batalha política de São João do Sóter, pequeno município com 14,7 mil habitantes na região dos Cocais, a 350 quilômetros da capital maranhense. Clodomir Rocha (PFL) era prefeito da localidade, em 2004, quando vereadores de oposição resolveram tirá-lo do cargo, em meio a acusações de enriquecimento ilícito e desvio de verbas do Fundef e do SUS. Votaram a favor do afastamento os vereadores Nestor Filho, José Nilton, Quém-Quém, Chico do Ulisses, Zé Divaldo e Pombito.

O caso foi parar no TJ, onde teve início contenda de outra ordem, jurídica. A sucessão de liminares, umas concedidas, outras revogadas, provocou o desabafo de Bayma. "Eu levantei essa questão porque havia muita reclamação sobre a conduta de assessores", anotou o decano. "O problema rolando aqui, uma hora o prefeito afastado, outra hora de volta ao cargo, virou esculhambação. O prefeito não passava 5 dias no cargo que lá vinha liminar."

"Fui vítima de armação, não existe nenhum documento que comprove improbidade ou peculato da minha parte", reagiu Clodomir. "As acusações são levianas. Ganhamos a causa." Ele afirmou que teria sido reeleito, mas suposta fraude o teria prejudicado.

As revelações do desembargador, reproduzidas pelo jornalista maranhense Walter Rodrigues, do Colunão, causaram indignação entre advogados, promotores e juízes. "Quando o próprio decano fala uma coisa dessas é muito grave, é denúncia que precisa ser apurada com rigor", pede o presidente da Associação dos Magistrados do Maranhão, Ronaldo Maciel.