Título: Dez Estados deixaram dívidas; só José Ignácio foi processado
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2005, Nacional, p. A7

Pelo menos dez ex-governadores desrespeitaram a Lei de Responsabilidade Fiscal em 2002, ao deixar para seus sucessores dívidas de curto prazo sem condições de serem pagas. Mas apenas um deles, José Ignácio Ferreira, do Espírito Santo, teve suas contas reprovadas pela Assembléia Legislativa do Estado e está sendo processado pelas irregularidades cometidas. O total de restos a pagar em excesso foi de R$ 18 bilhões. Os casos mais graves ocorreram em Minas, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Paraná, Goiás e Mato Grosso do Sul. Juntos, os ex-governadores desses seis Estados - um deles, Zeca do PT (MS), continua no cargo - deixaram R$ 9,5 bilhões de dívidas a descoberto.

Pela Lei Fiscal, essa é umas das mais graves irregularidades nas contas públicas e pode ser punida com até quatro anos de detenção. Mas a maioria dos Tribunais de Contas dos Estados (TCEs) fez vista grossa para esse fato ou inocentou os ex-governadores por causa da "herança financeira" que eles receberam dos antecessores, quando a lei ainda não existia.

O TCE do Espírito Santo, onde o ex-governador era alvo de uma série de denúncias, algumas das quais atingiam o próprio tribunal, foi o único que não aprovou as contas do chefe do Executivo. José Ignácio deixou mais de R$ 1 bilhão em dívidas, o que na época equivalia a quase três meses de arrecadação. Para começar a saldar esses restos a pagar, o governo federal auxiliou o novo governador, Paulo Hartung (PPS), antecipando o repasse de royalties do petróleo. "Já reduzimos os restos a pagar para R$ 244 milhões", informou o secretário-adjunto da Fazenda, Luiz Carlos Menegatti.

Em Minas Gerais e no Rio Grande do Sul, os conselheiros que relataram no TCE a prestação de contas dos ex-governadores Itamar Franco e Olívio Dutra chegaram a propor a rejeição de suas contas, mas foram derrotados pelos colegas. Entre todos os ex-governadores, Itamar foi o que deixou o maior volume de restos a pagar - R$ 3,56 bilhões - e apenas R$ 331 milhões em caixa para saldar as dívidas. Essa falta lhe rendeu apenas uma ressalva na aprovação das contas.

"Foi o pior governo que Minas já teve. Nunca houve uma administração tão caótica quanto a do Itamar", afirmou o auditor responsável pelo relatório no TCE. Segundo assessores do atual governador, Aécio Neves (PSDB), os conselheiros do TCE mineiro chegaram até mesmo a alterar a forma de apuração da despesa de pessoal, excluindo do cálculo os gastos com inativos e pensionistas, para evitar que Itamar estourasse mais um limite da lei fiscal.

No Rio Grande do Sul, os auditores encontraram evidências de que o ex-governador Olívio Dutra, atual ministro das Cidades, teria atropelado o artigo 42 da Lei Fiscal, que proíbe a realização de despesas nos últimos oito meses de mandato sem cobertura financeira. Em 30 de abril de 2002, segundo o relatório, a insuficiência de caixa do governo gaúcho já era de R$ 2,1 bilhões e terminou o ano em R$ 2,6 bilhões.

"Na realidade, nem todos os restos a pagar foram produzidos na gestão de Olívio Dutra. Isso é uma dívida histórica, que representa mais de 40% do orçamento anual", afirmou o conselheiro do TCE gaúcho Hélio Mileski, um dos que votou pela aprovação das contas do ex-governador. Segundo ele, a Lei Fiscal não traçou uma previsão de período para que a dívida de curto prazo, constituída pelos restos a pagar, fosse quitada. "E aquilo que é impossível de ser cumprido, torna-se inexigível juridicamente."

Para a relatora do processo,Terezinha Irigaray, que foi derrotada, o ex-governador é responsável também por "graves infrações gerenciais", que contribuíram para a piora da situação financeira do Estado. "Deve ser dado um fim à impunidade política e administrativa, independentemente de qualquer sigla político-partidária", afirmou Terezinha, na exposição de seu voto pela rejeição das contas de Olívio Dutra.

No Paraná, os dados do balanço patrimonial do Estado registravam R$ 3,1 bilhões em restos a pagar no fim de 2002. Mas o ex-governador Jaime Lerner (PFL) teve suas contas aprovadas porque, segundo os conselheiros do TCE, R$ 2 bilhões desse montante eram precatórios (dívidas judiciais) que poderiam ser pagos em 10 anos e não exigiam, portanto, disponibilidade em caixa.

Em Goiás, o saldo a descoberto de restos a pagar deixado por Maguito Vilella (PMDB) chegou a R$ 1 bilhão no fim de 2002. Mas o TCE só ressalvou essa irregularidade, evitando a rejeição completa das contas.