Título: Nova técnica regenera visão
Autor: Silvana Guaiume
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2005, Vida &, p. A10

O vendedor Jadnei Cássio Ré perdeu a visão do olho esquerdo, queimado em um acidente com produto químico em 2000. O uso de uma nova técnica de regeneração da superfície ocular, o transplante de célula-tronco de membrana amniótica e de limbo ocular, permitiu que recuperasse parte da visão dois anos depois. A membrana amniótica é retirada da bolsa de placenta dos bebês e o limbo ocular separa a córnea da esclera, a parte branca do olho.

Segundo o oftalmologista responsável pelo tratamento de Ré, Leôncio Queiroz Neto, do Instituto Penido Burnier, de Campinas, a técnica pode ser utilizada em 70% dos casos de queimaduras oculares com produtos químicos. Em algumas situações, ela é suficiente para restabelecer a visão. Em outras, mais graves, quando a córnea é muito prejudicada, abre caminho para o transplante.

Além de ter o olho esquerdo seriamente afetado, a queimadura atingiu o olho direito de Ré, em menor intensidade. Provocou-lhe ferimentos no corpo e na cabeça, mesmo com os equipamentos de proteção. Ele vendia produtos químicos em uma fábrica quando uma reação inesperada provocou uma explosão química.

Seis meses depois, ele fez a primeira cirurgia. O médico retirou uma amostra de limbo ocular do olho direito e a transplantou no esquerdo, com amostras de membrana amniótica. No ano seguinte, Ré submeteu-se a outro transplante de membrana. As intervenções abriram caminho para que pudesse receber nova córnea, de um doador, em 2002.

O prognóstico de Queiroz Neto é de que Ré recupere entre 40% e 50% de visão do olho esquerdo. O paciente conta que hoje tem cerca de 30% de visão no olho direito, submetido a uma raspagem na córnea, e entre 8% e 10% no esquerdo. Ele teve de parar de trabalhar e não saiu mais de casa sem companhia. "Mas tenho certeza de que vou voltar a levar uma vida normal", aposta.

O oftalmologista afirma que já fez 17 transplantes de células totipotentes (embrionárias). Em oito casos, associou o uso do limbo ocular e da membrana amniótica e em seis foi necessário transplantar a córnea. Em nove, menos graves, o transplante da membrana foi suficiente para regenerar a superfície ocular e a córnea. Nesses casos, a intervenção restabelece entre 80% e 90% da visão; nos mais graves, entre 30% e 60%.

O transplante de limbo pode ser feito quando um olho do paciente ainda dispõe do material ou este é obtido com um doador. A Maternidade de Campinas doa amostras de membrana amniótica ao médico. "Por ser um tecido sem fluxo de sangue, a córnea não apresenta risco de incompatibilidade", explica.

A técnica, aplicada por outras instituições, como a Escola Paulista de Medicina, também é usada na reconstrução de pálpebras, para eliminar inflamação cirúrgica de pterígio, tumores, no tratamento de ceratoconjuntivite, perifigóide (doença que ataca a mucosa dos olhos) e síndrome Stevens-Johnson, alergia que pode causar cicatrizes na córnea.