Título: Câmbio já ameaça investimentos
Autor: Paula Puliti
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2005, Economia, p. B3

As incertezas dos empresários em relação ao câmbio podem retardar investimentos em aumento da capacidade de produção, sobretudo nos setores exportadores. A avaliação é do diretor da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. Pimentel alerta que, depois de registrar crescimento contínuo das exportações nos últimos anos, o setor têxtil corre o risco de ver suas vendas externas repetirem o valor de 2004, de US$ 2,1 bilhões. O setor vem investindo cerca de US$ 1 bilhão por ano desde meados da década passada. No ano passado, por conta do aumento das exportações e da retomada do mercado interno, as importações de máquinas e equipamentos têxteis tiveram um salto de 35% , o que significa aumento de investimento. "Para este ano, no entanto, a manutenção do ritmo de investimentos depende das expectativas futuras. Sabemos que temos de continuar a nos modernizar, mas só vamos ajustar nossas projeções conforme a demanda", disse Pimentel. Segundo ele, a produção do setor têxtil pode sofrer impacto duplo do real valorizado. No que se refere às exportações, a atual cotação desfavorece os produtos brasileiros. Na ponta importadora, estimula o ingresso de produtos estrangeiros no mercado interno, cujo crescimento é a grande aposta neste ano, aumentando a concorrência com o produto nacional.

O setor de papel e celulose também está de olho no impacto do câmbio. O presidente da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), Osmar Zogbi, diz que e o setor tem um plano de investimentos de longo prazo já anunciado, da ordem de US$ 14,4 bilhões no período 2002-2012. O programa está mantido, mas o montante para 2005 pode ser inferior à média anual de US$ 1,2 bilhão dos últimos anos , caso o câmbio continue desfavorável ao exportador.

A Abimaq, entidade que reúne fabricantes de máquinas e equipamentos, informou que ainda está levantando sobre quanto as empresas associadas pretendem investir neste ano. Os números devem ser divulgados no início de fevereiro. Mas, em nota distribupida à imprensa, o presidente da Abimaq, Newton de Mello, classificou de "frias" as posições que o Banco Central vêm adotando em relação à queda do dólar e à elevação das taxas de juros.

Já o setor de autopeças encerrou o ano otimista, com projeção de crescimento de 67% nos investimentos em aumento de produção, para US$ 1 bilhão. Até agora, o setor mantém a previsão e justifica os números dizendo que ainda não havia conseguido chegar ao nível de investimentos necessários para suprir a demanda das montadoras.

Para a Associação e Comércio Exterior do Brasil (AEB), que concorda com a avaliação do ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Luiz Fernando Furlan, de que o câmbio atual é "inadequado", as exportações brasileiras podem cair cerca de 4,5% este ano caso o dólar permaneça na casa dos R$ 2,70. Na avaliação da AEB, a valorização do real prejudica, principalmente, as vendas externas de produtos manufaturados. "Este é um mercado difícil de se conquistar e com um dólar na faixa em que está hoje corre-se o risco de se perder o que se conquistou", diz o vice-presidente da AEB, José Augusto de Castro.

O embaixador Rubens Barbosa, presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). afirma que as críticas de Furlan sobre o câmbio e a política comercial do Brasil coincidem com a posição da Fiesp. Segundo a Fiesp, o saldo da balança pode cair de US4 33 bilhões em 2004 para US$ 20 bilhões este ano.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, "assina embaixo" as críticas ao câmbio e às taxas de juros feitas pelo ministro Furlan, em entrevista ao Estado. "É preciso agir contra a desvalorização do dólar; o setor exportador está tendo perda de rentabilidade e isso é preocupante, porque pode afetar o desempenho das exportações", disse. "O ministro Furlan começa a ter um papel político mais nítido, ao se contrapor ao viés mais monetarista, de laboratório, com uma visão de quem está envolvido na economia real."

Dirceu Bezerra, sócio-diretor da Rosenberg & Associados, afirma que dificilmente o dólar vai subir com a atual taxas de juros doméstica. "Com juros de um ano em 18% aqui dentro e 2% lá fora, há um espaço enorme para arbitragem - não dá para evitar uma grande entrada de capital especulativo."