Título: A luta para mudar a meta de inflação
Autor: RIBAMAR OLIVEIRA
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2005, Economia, p. B2

No final de junho do ano passado, o Conselho Monetário Nacional (CMN) fixou a meta de inflação em 4,5% para 2005. A decisão foi uma clara vitória do Ministério da Fazenda e do Banco Central (BC) sobre os chamados "desenvolvimentistas" do governo, que desejavam uma meta de 5,5%. Menos de três meses depois, o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) surpreendeu a todos ao informar que tinha estabelecido o "objetivo" de inflação de 5,1% para este ano, num reconhecimento implícito do erro cometido pelo CMN. Mesmo assim, a equipe econômica decidiu não alterar formalmente a meta. O líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), foi, dentro do governo, o principal defensor da meta de inflação de 5,5% para 2005 e, no final do ano passado, disse publicamente que o CMN tinha cometido um erro. Na defesa dos 5,5%, Mercadante argumentava que estava em curso um choque de oferta - caracterizado pela elevação expressiva de preços de commodities metálicas e do petróleo - que dificultaria a obtenção de metas mais ambiciosas de inflação. As placas de aço, por exemplo, chegaram a subir 106,2% em doze meses no mercado internacional, o cobre 44% e o petróleo 60%.

Ao fixar a meta em 4,5%, o governo emitiu um sinal ao mercado de que haveria um choque de juros nos meses seguintes. O Copom efetivamente começou a elevar as taxas em setembro e, de acordo com a ata de sua última reunião, o processo ainda não foi concluído. A entrevista que o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, concedeu ao colunista Celso Ming, na semana passada, mostra que o debate dentro do governo em torno da meta de inflação voltou a se intensificar. Os "desenvolvimentistas" acham que o crescimento econômico será duramente afetado se o Banco Central tiver mesmo que cumprir seu "objetivo" de inflação de 5,1%.

Furlan e Mercadante fazem parte do grupo "desenvolvimentista" dentro do governo. Na entrevista, o ministro manifestou preocupação com a excessiva valorização do real nas últimas semanas e alertou para o fato de que a maior parte da inflação brasileira é causada pelas tarifas públicas e pelos preços reajustados por contratos. Contra uma inflação dessa natureza, que não resulta das forças do mercado, a política de juros não é eficiente, argumentou o ministro.

O deputado Delfim Netto (PP-SP), que já foi ministro da Fazenda e do Planejamento, estima que somente por conta do IGP, índice de inflação utilizado na correção dos contratos, e por causa das tarifas, já existe uma inflação contratada para 2005 em torno de 2,8%. Se a estimativa se confirmar, os preços livres não poderão aumentar quase nada para que o "objetivo" de 5,1% de inflação este ano seja cumprido. Delfim não têm dúvidas de que o "objetivo" de 5,1% de inflação obrigará o BC a derrubar a atividade econômica "para valer".

Mercadante acrescenta um ingrediente histórico nessa discussão. Segundo ele, só em dois anos o Brasil registrou inflação abaixo de 5,5% em toda a sua história. "A primeira foi em 1946, quando o país estava saindo da Segunda Guerra Mundial; e a outra foi em 1998, no último ano do populismo cambial, quando o câmbio foi utilizado para conter os preços", argumenta. "É muito difícil obter uma inflação abaixo de 5,5% sem comprometer o crescimento econômico", observa. O regime de metas de inflação foi instituído no Brasil em 1999 - logo depois da flexibilização do câmbio. De lá para cá, a média anual de inflação foi de 8,6%. A menor foi de 5,97% obtida em 2000, como mostra a tabela .

O líder do governo diz que não questiona o sistema de metas para a inflação e nem o regime de câmbio flutuante. "O que eu critico é a definição de metas irrealistas e artificiais", explica. "O equívoco da meta para a inflação é que leva ao equívoco da política monetária e ao equívoco da taxa de câmbio", sintetiza. Mercadante acha que o Banco Central avançou ao fixar o "objetivo" de inflação de 5,1%, no lugar dos 4,5% de junho. "Mas 5,1% para 2005 ainda é uma meta muito apertada", diz.

Ele lembra que a pressão sobre as commodities ainda continua, embora o preço do petróleo tenha arrefecido. Para Mercadante, é preciso considerar também a expectativa de elevação da taxa de juros americana, que poderá afetar o crescimento de todos os países e deixar um cenário internacional menos benigno do que em 2004. Se a meta fosse de 5,5%, raciocina o líder do governo, o teto da banda superior seria de 8% e não os atuais 7%. "Por que não podemos ter este ano a mesma meta de inflação que tivemos em 2004?", questiona.

Para os "desenvolvimentistas", a alta taxa de juros, utilizada para que o "objetivo" de 5,1% seja alcançado, reforça a valorização do real frente ao dólar. A questão do câmbio é polêmica, pois a desvalorização do dólar é um fenômeno mundial. Ou seja, não é apenas o real que se valoriza frente a moeda americana. Mas Delfim garante que o dólar a R$ 2,70 não permite retorno razoável a boa parte das exportações industriais.

Um estudo da CNI, feito quando o dólar flutuava em torno de R$ 2,75, diz que o real estava desvalorizado em apen+as 3% em comparação à cotação de dezembro de 1998, ou seja, antes da flexibilização da taxa de câmbio. O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Antônio Corrêa de Lacerda, não têm dúvidas de que o câmbio já está afetando a competitividade das exportações brasileiras. Lacerda chama a atenção, principalmente, para o efeito da valorização do real e do aumento dos juros sobre as decisões de investimentos das multinacionais. "O risco que se corre é de que, neste cenário, essas empresas reavaliem suas estratégias de investimento e excluam o Brasil", observa. Ele também acha que o melhor caminho seria mudar a meta de inflação.