Título: Ex-chefão da Parmalat pede perdão
Autor: Terciane Alves
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2005, Economia, p. B10

Depois de cinco horas submetido ao interrogatório de procuradores da cidade de Parma, na Itália, no último sábado, o ex-presidente da Parmalat, Calisto Tanzi, não só assumiu a responsabilidade penal pelos prejuízos causados pelo colapso da multinacional, como surpreendeu a imprensa italiana: implorou desculpas. O ex-número um do conglomerado alimentício tenta ofuscar a figura de vilão e demonstrar seu arrependimento. Tanzi apela à compaixão do público, tenta ganhar a simpatia e recompor sua imagem. E se diz ainda disposto a ajudar a Justiça e pagar o preço pelo que fez.

"Peço perdão a todos aqueles que por condutas a mim atribuídas na tentativa de realizar um sonho e um projeto industrial tenham sofrido súbitos danos", afirmou o ex-presidente da Parmalat, em declaração lida por seu advogado, Giampiero Biancolella, após a sabatina diante da Justiça, segundo relato do jornal italiano Corriere Della Sera.

Tanzi disse ainda que "compreende perfeitamente que o perdão tem somente um valor moral". E garantiu estar pronto a "reconhecer a responsabilidade e submeter-me às conseqüências". Ele reiterou sua disposição em "fornecer à Justiça todos elementos que possam colaborar na identificação e esclarecimento do processo, bem como fornecer uma contribuição à reconstrução dos fatos." Mas não falou em público sobre o caso.

Não é à toa que Tanzi recorre à humanização do escândalo financeiro. Ele se notabilizou pelo fato de erguer um dos maiores conglomerados empresariais do mundo, nos anos de 1960, e levá-lo à quebra 40 anos depois, em dezembro de 2003.

Na época, foi acusado de comandar a fraude na empresa, que hoje tem dívidas estimadas pela Justiça em 20 bilhões. Seus filhos foram envolvidos nas denúncias, ele esteve em prisão domiciliar no ano passado, alegou problemas de saúde e viu sua imagem de homem de negócios ícone de uma geração sair das páginas econômicas dos jornais para as policiais.

Nas pilhas de processos analisados pela Justiça que envolvem o caso Parmalat, Tanzi e diretores da empresa são acusados de especulação financeira, prestação de informações contábeis falsas e obstrução à autoridade de fiscalização.

Nas sucessivas reportagens publicadas pelo Corriere Della Sera, representantes da Justiça não se cansaram de apontar coincidência significativa entre o avanço dos problemas financeiros do grupo, de capital aberto na Bolsa de Milão desde 1990, e o crescimento da Satalux, subsidiária em Luxemburgo da Sata, holding da família Tanzi. A suspeita de desvio do dinheiro para enriquecimento pessoal ficou cada vez mais clara.

Talvez Tanzi tenha se inspirado no ex-colega de trabalho Fausto Tonna. Há meses, ele, cabeça confesso das artimanhas contábeis que desarranjaram a Parmalat SpA, decidiu não só assumir seus erros como gastar horas em talk shows nas TVs para descrever a repulsa pelo que fez. Em reportagens do Wall Street Jornal, o ex-diretor financeiro do grupo se referiu ao caso, considerado o maior escândalo contábil da Europa, como "aquilo me faz vomitar". Admitiu ter maquiado os livros da indústria de laticínios italiana por uma década. Disse ainda não querer passar para a história como culpado.

Articulistas americanos não raro destacam que a estratégia de mea culpa tem uma certa lógica na Itália. Lá, quem pede perdão do público, abafa as atenções e tem mais chances de voltar a uma vida aparentemente normal enquanto o Judiciário italiano se debruça sobre as investigações. Na Itália, comentários públicos também não têm a tradição de serem usados, nos tribunais, contra quem os professa. Resta agora acompanhar como Tanzi será julgado, não só pela Justiça mas pelos olhares e tratamentos nas ruas.