Título: Pelo método mais confuso Pelo método mais confuso
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2005, Nacional, p. A6

O PT em suas arrumações internas é feito a natureza humana, não falha nunca. Pode reparar: não há hipótese de o partido encaminhar um problema, administrar uma crise, resolver uma questão, pequena que seja, sem criar uma confusão na qual os maiores prejudicados são os próprios petistas. Vejamos agora o processo de escolha do próximo presidente da Câmara dos Deputados, assunto em tese resolvido pela praxe da reserva do posto ao partido que tem a maior bancada na Casa.

Como sempre foi o PT o contestador da norma não escrita e agora é o beneficiário dela, lícito supor que tudo transcorresse na santa paz, já que as outras forças - incluindo as de oposição - não chegavam a levar a sério a possibilidade de impor por aí uma derrota ao governo.

Tratava-se, portanto, de um tema a ser liquidado com razoável facilidade. Claro, houve um momento, quando o PT chegou a ter dez postulantes ao posto, que o cenário indicava uma daquelas já conhecidas guerras de extermínio interno. Mas, para surpresa geral, pouco antes do Natal os petistas chegaram a um consenso aparentemente civilizado e maduro.

Ver-se-ia, logo em seguida, que eram aparências nada mais.

O nome escolhido, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, não era integrante do rol dos grandes favoritos. Mas, como passou pelo crivo de votações entre os 90 deputados da bancada e estava ao gosto do Planalto, parecia que os obstáculos a vencer seriam externos - entre os conservadores, os representantes de corporações ruralistas, evangélicas, militares e policiais, grupos aos quais o deputado Greenhalgh se contrapôs ao longo de sua carreira de advogado e militante de esquerda.

Animados com essas divergências, José Carlos Aleluia e Michel Temer, do PFL e do PMDB, respectivamente, resolveram lançar suas candidaturas.

Digamos que com nenhum dos dois o Planalto precisou se preocupar, ocupado e tenso que está até agora com a insistência do deputado petista de Minas Gerais Virgílio Guimarães em confrontar a candidatura dita oficial de Greenhalgh.

E por que tudo anda pelo avesso? Pelo visto, porque o PT optou pelo método mais confuso na escolha do candidato. Não houve o processo de "costura" - para usar o jargão adotado na política - da candidatura e o nome foi resultado, não da expressão da vontade da maioria da bancada petista, mas conseqüência de uma sistemática que levou à opção por exclusão.

Ou seja, com todo respeito à biografia e às qualidades pessoais e profissionais (que não são poucas, sendo boa parte delas a razão das dificuldades que ele enfrenta) do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, seus companheiros de partido não o escolheram porque estivessem impregnados da vontade de acertar, fazendo a melhor escolha do ponto de vista da estatura do Parlamento.

Greenhalgh acabou sendo produto do profundo medo que o PT estava de errar feio; seja envolvendo-se numa interminável disputa interna entre seus dez aspirantes a presidente da Câmara, seja apresentando um candidato que pudesse, digamos assim, criar problemas no quesito elegância - pessoal, política e intelectual.

Um dos finalistas, Arlindo Chinaglia, não daria vexame nesse campo, mas numa das etapas de votação teve apenas dois votos, isso apesar de já ter sido líder do PT na Câmara. Com essa pífia aceitação, dificilmente poderia assumir a candidatura oficial.

Outros dois bem postos no certame, Virgílio e o líder conhecido por Professor Luizinho, eram tidos assim como um tanto distantes da imagem de comedimento, equilíbrio, distinção e discrição que o Planalto gostaria de ver na presidência da Câmara nesses cruciais dois anos de final de primeiro e tentativa de conquista de um segundo mandato para o presidente Luiz Inácio da Silva.

Foi no movimento para afastá-los do páreo que a coisa desandou. O Professor foi até bem tratado. Convencido de que o problema de sua candidatura não tinha nenhuma relação com sua folclórica figura, mas sim com o fato de ele ser um deputado muito marcadamente governista e isso resultar numa eleição onde o governo - e não o candidato ao comando da Câmara - estivesse em julgamento.

Como se qualquer nome com apoio explícito do Planalto, inclusive agora Greenhalgh, não provocasse a mesma reação.

Com Virgílio Guimarães, entretanto, as tratativas não foram tão fidalgas. Já estava ele de carta de renúncia à candidatura em riste quando ficou sabendo não só que havia sido vetado pelo Palácio do Planalto, como lá dele se falava o mesmo que o presidente Lula, quando ouviu falar de si, considerou ofensa à honra nacional e motivo para expulsar um correspondente estrangeiro do País.

Assim como seu companheiro de antigos carnavais (já dividiram até apartamento), o deputado de Minas também ficou possesso. Primeiro, com as aleivosias que eram assacadas contra ele; e, depois, com essa história de ter sido vetado por Lula quando um de seus grandes trunfos políticos, principalmente em seu Estado, é o de ser muito amigo do presidente.

Desprestigiado e ofendido, Virgílio Guimarães virou, no dizer de um deputado ligado ao centro do poder, "um pote até aqui de mágoas", imbuiu-se do espírito de luta contra a interferência e os maus-tratos psicológicos, transformou em Minas Gerais sua candidatura numa nova Inconfidência e agora estão todos mais ou menos sem saber o que fazer.

Até a oposição deu uma recolhida nos "flaps". Michel Temer, do PMDB, retirou seu nome, pois não queria se arriscar a amargar uma derrota frente ao grupo governista do partido que preside, para não por em risco sua permanência nesse cargo.

José Carlos Aleluia reduziu a velocidade da campanha e observa o panorama de longe. O PSDB, mais interessado em ajudar o prefeito José Serra a administrar suas agruras com o PT de Marta Suplicy, resolveu adotar o discurso do "respeito à posição da maioria", ou seja, da candidatura oficial do PT.

Na verdade, todos eles já sentiram o aroma e pressentiram o volume da confusão. Ninguém quer se arriscar a dar passos em falso, nem para criar dificuldades políticas ao governo, para não tombar vítima de bala perdida.

Nessas circunstâncias, a oposição prefere assistir a um grande show de competência e capacidade de transformação da busca do entendimento em disseminação da discórdia.