Título: Banda podre da Febem
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2005, Editoriais, p. A3

N a semana passada, mães de menores internos da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem) denunciaram novas sessões de tortura contra os garotos na Unidade Vila Maria. No Complexo Tatuapé, os jovens fizeram mais uma rebelião, ao que tudo indica facilitada por monitores. E o sindicato que representa os funcionários da entidade prometeu greve, piquetes e ações na Justiça contra as mudanças que o Estado planeja fazer na fundação. Essa seqüência de fatos repete outras tantas ocorridas nos últimos anos. A diferença é que, desta vez, o secretário da Justiça, Alexandre de Moraes, que acumula o cargo de presidente da Febem, tomou as medidas que há muito eram esperadas para o início de uma reforma efetiva da entidade.

Em relação às denúncias de tortura, 23 funcionários foram presos, após visita do secretário à Unidade Vila Maria, onde constatou que os menores foram maltratados e feridos e encontrou instrumentos usados no espancamento. Enquanto acompanhava a prisão dos monitores, Moraes foi informado sobre o início de um motim no Complexo Tatuapé. Não se tratava de coincidência. Era apenas a repetição de uma estratégia freqüentemente usada pelo sindicato da categoria para acuar o governo. O secretário e presidente da Febem seguiu para o Tatuapé e em duas horas a rebelião estava debelada. Segundo ele, menores revelaram que, às 12 horas, começaram a apanhar e a sofrer ameaças de funcionários que insuflavam a rebelião.

Frustrada a rebelião, os monitores decidiram antecipar uma greve em apoio aos servidores presos. Iniciada no sábado, a greve teve a adesão, segundo representantes do sindicato, de 95% dos funcionários. No domingo, a adesão havia caído para 45%, os piquetes desapareceram das portas dos complexos e o ato de protesto contra a prisão dos funcionários, marcado para a segunda-feira, foi cancelado.

Foi o resultado da ação do governo estadual que, na madrugada de sábado, enviou para os Complexos do Tatuapé, Brás, Vila Maria, Franco da Rocha e Raposo Tavares novos funcionários contratados para substituir os 500 que atuavam na segurança de 4,5 mil internos. O governo contratou 600 novos agentes de segurança e 300 agentes educacionais. A perspectiva de demissões frustrou os protestos planejados pelo sindicato.

"Mostramos que quem manda na Febem é o Estado e não o sindicato ou quem quer que seja", afirmou Alexandre de Moraes. Esse é o passo inicial para a reforma efetiva da fundação. Nos últimos tempos, o governo estadual se tornou refém de uma parcela dos monitores, classificados por Guido Andrade, que presidiu a Febem em 1999, como "trogloditas" e pelo atual presidente de "bandidos, torturadores".

Em fevereiro de 2003, dois monitores da Febem de Franco da Rocha foram filmados abrindo celas da unidade 31 e incitando os internos a reiniciar um motim que acabara de ser controlado. No dia seguinte, a polícia de Franco da Rocha autuou por corrupção de menores e facilitação de fuga um monitor que entregou aos internos uma pistola calibre 380, usada na fuga de 31 garotos. Os recapturados revelaram à polícia que pagariam o serviço prestado pelo monitor com o fruto dos assaltos. Um mês antes, 37 funcionários haviam sido demitidos por suspeita de integrar a quadrilha que incentivou uma das mais violentas rebeliões na Febem.

O secretário Alexandre de Moraes quer livrar a Febem da chamada "banda podre" e promete para breve a separação dos maiores de 18 anos em quatro unidades. Além disso, não mais construirá unidades de internação, preferindo "lotar o Estado" com unidades de semiliberdade, nas quais o jovem fica durante o dia, estudando e se profissionalizando, e à noite volta para casa. Até o fim do semestre pretende abrir 900 vagas nessas unidades.

De fato, a construção de novas unidades de internação não resolve o problema da Febem. É preciso separar os menores, de acordo com a idade, a compleição física e as infrações cometidas. É preciso mantê-los próximos das famílias e, na Febem, deixá-los sob os cuidados de profissionais capacitados.

Alexandre de Moraes diz que não está na Febem para conduzi-la, mas para mudá-la. Vencer as quadrilhas internas será o primeiro passo.