Título: Metas para os bolsões de miséria
Autor: Lisandra Paraguassú
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2005, Vida&, p. A10

Atingir os Objetivos do Milênio pode não significar muito para o Brasil. O conjunto de objetivos para reduzir a pobreza e a má qualidade de vida no mundo até 2015 não estão longe do alcance do País, quando se analisa a média dos indicadores brasileiros. No entanto, mesmo chegando lá, o Brasil pode deixar para trás 26 milhões de pessoas e um território quatro vezes maior que a Alemanha. De Norte a Sul, o País tem 13 bolsões de pobreza com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) igual ao de Uganda, na África, que ocupa a 147.ª posição em uma lista de 175 países (o Brasil está 65.ª colocação). Se não receberem atenção especial, alerta a Organização das Nações Unidas (ONU), esses enclaves de miséria vão continuar puxando o Brasil para trás.

Os dados estão na análise Projeto Milênio, apresentada ontem no Brasil pelo escritório local da ONU. Um grupo de especialistas coordenado pelo economista Jeffrey Sachs estudou o que é preciso para que o mundo atinja as oito metas no milênio até a data limite de 2015. Entre as metas estão, por exemplo, a redução à metade do número de pobres, universalização do ensino básico, redução de mortalidade infantil e de mortalidade materna.

A avaliação da ONU é de que o Brasil deve alcançar as metas. Mas o que se leva em conta nessa avaliação é a média nacional, em que indicadores iguais aos africanos são contrabalançados por outros, encontrados nas regiões mais ricas do Sul e do Sudeste, semelhantes aos de países desenvolvidos.

"É preciso que o Brasil admita que aqui a média não existe. No Brasil, ela distorce muito a realidade. Há bolsões de pobreza que têm situação igual à da África. Mesmo dentro de uma região metropolitana pode-se ir da Espanha à Suazilândia em poucos quilômetros", afirmou José Carlos Libânio, coordenador de avaliação de políticas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) no Brasil.

A média brasileira esconde, por exemplo, que, enquanto a cidade com o melhor IDH do Brasil, São Caetano do Sul, tem um índice igual ao da Itália (0,919), Manari, no sertão pernambucano, tem o pior IDH do País, igual ao do Haiti (0,467), o país mais pobre das Américas (veja reportagem ao lado).

"Os países de renda média devem enfrentar o desafio de concluir o processo de erradicação da pobreza extrema dentro de seus próprios países e, ao mesmo tempo, fazer parte dos grupo de países doadores (de recursos). A maioria dos grandes países de renda média apresenta bolsões de pobreza que devem ser eliminados", afirma o documento, que tem 3 mil páginas.

ALGO MAIS

O representante da ONU no Brasil, Carlos Lopes, afirma que o Brasil pode usar as recomendações feitas aos países mais pobres nesses 600 municípios que concentram a miséria brasileira. Entre essas recomendações, estão investir no acesso à água, saneamento e eletricidade, melhoria de favelas, construção de habitações de baixo custo e expansão do planejamento familiar.

"É preciso impedir que haja um desprezo pelas indicações porque são dirigidas a países mais pobres. Elas são interessantes e funcionam para esses 600 municípios", disse Libânio. É o que a ONU está chamando de Metas do Milênio Mais. Quem está a caminho de cumprir as metas tem de fazer algo mais. Diminuir os prazos ou, no caso brasileiro, atacar a desigualdade e subir a média.

O País também merece elogios no relatório. O documento destaca, por exemplo, a universalização do ensino fundamental e o programa de combate à aids. A ONU considera, também, que há políticas públicas responsáveis e um esforço do governo brasileiro que está dando resultado. Mas é preciso ir além. "O Brasil é um País de contrastes. Há muita novidade, mas é necessário uma focalização, partir para a prática. Ações rápidas para atender aos bolsões de pobreza", disse Libânio.