Título: Argentina quer vencer credores pelo cansaço
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2005, Economia, p. B12

Ainda faltam 38 dias para terminar a contagem regressiva para a eventual saída do default da dívida pública argentina com os credores privados. Embora muita água possa passar debaixo da ponte até que se conclua a reestruturação dos títulos argentinos em estado de calote, o governo do presidente Néstor Kirchner, com discreto entusiasmo, espera encerrar a operação com uma elevada adesão de credores. Isso ocorreria graças às divisões que estão surgindo nas associações de credores em todo o mundo. Cansados e resignados depois de três anos de calote e um ano e meio de duras e infrutíferas negociações com o governo argentino, milhares de donos de títulos argentinos na Europa, EUA e Argentina estariam dispostos a aceitar os novos títulos, reestruturados, que sofreriam uma redução de até 66% do valor original e seriam pagos em até 42 anos.

Segundo o jornal econômico Infobae, o Comitê Global de Credores, que alega reunir 45% dos credores de títulos argentinos em todo o planeta, estaria imerso numa intensa disputa interna, que confrontaria seus três principais líderes: o alemão Hans Humes, o americano Adam Lerrick e o italiano Nicola Stock. O motivo das brigas seria o choque de posições moderadas, favoráveis em aceitar a troca da dívida, com as posturas irredutíveis, que pretendem guerra total com o governo Kirchner, de forma a pressionar a Argentina a realizar uma segunda oferta, melhorada.

Mario Vicens, presidente da Associação de Bancos da Argentina declarou que será decisivo para Kirchner "que os credores se dividam". Segundo ele, será difícil seduzir os credores no Japão. Mas na Alemanha, há chance de se conseguir adesão à troca de títulos. Na Itália, se houver uma ruptura das associações de credores, o cenário seria mais favorável para o sucesso da reestruturação.

Carlos Báez, presidente da Associação de Correntistas da Argentina, disse estar "indignado" com Kirchner, e que a maioria dos credores optará por recorrer na Justiça contra a troca da dívida ou esperar a apresentação de uma eventual nova oferta. O governo argentino, no entanto, sustenta que não haverá segunda proposta.

Um dos sinais da fraqueza da capacidade de mobilização das lideranças dos credores italianos foi a marcha de protesto realizada segunda-feira em frente ao Parlamento, em Roma. Embora haja 450 mil credores na Itália (que possuem 15,6% dos títulos argentinos), apenas duas centenas manifestaram-se no centro da capital.

Enquanto isso, o call-center instalado na embaixada argentina em Roma recebeu, sexta-feira, 3 mil ligações de credores querendo saber como poderiam fazer para trocar seus títulos. Segunda-feira, o número de ligações subiu para mais de 3.500. Na hora da verdade, afirma-se em Buenos Aires, os credores optarão pela filosofia de que "mais vale um pássaro na mão do que dois voando".

Na semana passada, o governo italiano pela primeira vez criticou a operação de troca da dívida, afirmando que a proposta argentina era "egoísta e avarenta".

Na Alemanha, os credores (5,1% do total) também estão dando sinais de esgotamento após 1.122 dias de default. Fundos de investimentos em Frankfurt indicaram que ficar de fora da troca da dívida poderia ser uma atitude arriscada.