Título: Desafio dos transgênicos é a transparência na comunicação
Autor: Andrea Vialli
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/01/2005, Economia, p. B18

A recente sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva da Medida Provisória 223, que autoriza o cultivo de soja geneticamente modificada na safra 2004/05, acena para um fato que parece evidente: os transgênicos já são uma realidade no País, a despeito das discussões e protestos dos grupos contrários ao seu plantio e comercialização. O fato é corroborado pelo estudo do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia (ISAAA, na sigla em inglês) divulgado na semana passada, que aponta um aumento de 66% da área cultivada de transgênicos no País em relação a 2003, que já chega a 5 milhões de hectares. Nesse cenário, resta a questão: as empresas e organizações envolvidas com o tema estão se comunicando com a sociedade de forma transparente? Em um debate que tende a ser polarizado, é inevitável que o assunto, antes reservado a pesquisadores e agricultores, tenha chegado ao consumidor geral. Isso se justifica também pelo espaço que o tema está tomando nos meios de comunicação nos últimos três anos. Essa demanda por informações está transformando a maneira de comunicar a biotecnologia. É o caso da Monsanto, comercialmente interessada na regulamentação da questão no País. A subsidiária brasileira só passou a ter um departamento de comunicação institucional em 1999, com o objetivo claro de alardear os benefícios da soja geneticamente modificada Roundup Ready para um público específico, os agricultores. A empresa começou a mirar outros públicos em 2002, quando a polêmica sobre os transgênicos passou a interessar a toda a sociedade. A empresa tem investido firme no público jovem e na mensagem de que a biotecnologia - em especial o alimento geneticamente modificado - é a chave para um futuro melhor, visão expressa em seu web site oficial: "Alimentos em abundância em um meio ambiente saudável". Por meio da sua fundação, a Monsanto patrocina vários projetos sociais e educativos voltados a crianças e jovens. A distribuição de cartilhas e panfletos em escolas, supermercados e pedágios também faz parte da estratégia para comunicar os transgênicos. Na área cultural, chegou a patrocinar uma mostra sobre surf em São Paulo - iniciativa que provocou controvérsias quanto aos possíveis vínculos de uma empresa de agrobiotecnologia com esse público-alvo. "Nossa experiência mostra que houve uma mudança na percepção da biotecnologia nos últimos anos. Os transgênicos já são vistos como parte do dia-a-dia, e essa mudança é fruto do debate público sobre o tema", afirma Lúcio Mocsányi, diretor de comunicação da Monsanto. NOVA GERAÇÃO Ele afirma que a Monsanto tardou a falar ao consumidor porque os benefícios imediatos da tecnologia possuíam apelo maior aos produtores e restante da cadeia agrícola, sendo pouco perceptíveis ao consumidor urbano. "Mas isso deve mudar com a próxima geração de transgênicos, que trará benefícios mais claros para o consumidor final, como a redução no teor de gorduras trans (um tipo de gordura hidrogenada) do óleo de soja, por exemplo", afirma. Outras empresas do segmento aguardam a aprovação da lei de biossegurança para entrar no mercado brasileiro. É o caso da Bayer CropScience, divisão de Tecnologias Agrícolas do grupo alemão Bayer. De acordo com André Abreu, gerente de Tecnologia de Biociências da Bayer CropScience, a empresa deverá lançar três produtos no mercado brasileiro, tão logo a lei de biossegurança seja aprovada - sementes de arroz, algodão e milho geneticamente modificados, com foco no controle de ervas daninhas. A empresa já está presente no Canadá e Estados Unidos com canola, milho, algodão e arroz transgênicos. Nesses países, a comunicação é basicamente voltada para produtores rurais, e a a companhia deve seguir a mesma linha aqui no Brasil. "A biotecnologia não é um produto e, sim, uma ferramenta de produtividade. Nos últimos anos, se colocou foco nos transgênicos como se fossem produtos, e não são", afirma Abreu. "O arroz transgênico é idêntico ao arroz convencional", diz. Segundo ele, a empresa deverá eleger como canais de comunicação as associações de classes ligadas ao meio rural e a pesquisas em biotecnologia. A empresa defende o exercício da lei de rotulagem - determina que produtos que utilizem a partir de 1% de soja transgênica em sua composição devem estampar essa informação na embalagem - para esclarecer o consumidor. A Syngenta, por sua vez, só deverá entrar no mercado brasileiro se a produção de sementes no Brasil for autorizada pela lei de biossegurança. A companhia informou que a importação de sementes geneticamente modificadas não interessa à unidade brasileira. No outro extremo da discussão, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) figura como uma das organizações que mais tem combatido a forma como as sementes transgênicas foram introduzidas no País - "via contrabando, sem lei de biossegurança, licença ambiental e definições claras sobre os possíveis danos à saúde", na avaliação de Sezifredo Paz, coordenador executivo do Idec. A entidade reitera a necessidade de estudos mais aprofundados sobre o tema e no cumprimento estrito da lei de rotulagem. "Não somos contra a engenharia genética e, sim, contra a forma como vem sendo conduzida a questão dos transgênicos no Brasil", diz Paz. Ele afirma que as empresas de biotecnologia não fornecem informações de forma transparente. " Há um processo dirigido no sentido de fazer a população acreditar que os transgênicos são só benefícios", critica.