Título: Brasília vai às compras
Autor: DORA KRAMER
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2005, Nacional, p. A6

Ano começa com a marca registrada da gastança nas despesas do Executivo e do Legislativo Enquanto o Poder Executivo renova do avião presidencial ao sistema de segurança do Palácio do Planalto, compra nova frota de automóveis oficiais e faz ampla reforma no Alvorada, o Legislativo dá sua contribuição à retomada da prática da gastança na forma de aumento nos ganhos dos parlamentares. A desenvoltura com gastos públicos vem aumentando e, tudo indica, será uma das marcas registradas de 2005, pondo fim ao período em que o politicamente correto era sustentar o discurso oficial no tema da contenção de despesas.

Agora, o mais comum é quase todos os dias sair uma notícia sobre aplicação de mais dinheiro no sustento da máquina. A desinibição chegou também ao Legislativo.

Nem bem aprovou um aumento de R$ 12 mil para R$ 15 mil na verba para despesas extras nos Estados, o ainda presidente da Câmara, João Paulo Cunha, fechou um acordo com o candidato à sua sucessão, Luiz Eduardo Greenhalgh, para a votação de um projeto de lei elevando o salário dos deputados de R$ 12,7 mil para R$ 21 mil. O Senado, evidentemente, acompanhará o reajuste.

No fim do ano passado, mais precisamente no dia 15 de dezembro, o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República enviaram à Câmara propostas para estabelecer em R$ 21 mil os salários de ministros e dos procuradores. João Paulo Cunha engavetou, assinou autorização para o aumento da verba extra dos deputados e ficou de ver como encaminharia a questão do Poder Judiciário.

Há poucos dias, assim que se definiu mesmo pelo apoio à candidatura apresentada pela bancada do PT contra sua vontade, pois seu candidato era Virgílio Guimarães, João Paulo tratou do assunto com Greenhalgh, informando que os parlamentares só aceitariam votar os reajustes dos ministros e procuradores se pudessem partilhar o mesmo benefício.

Trata-se, na realidade, de uma isonomia prevista pela Constituição e nunca regulamentada em lei com todos os efes e erres por causa da dificuldade política perante a opinião pública de aprovar aumentos salariais para deputados e senadores.

E assim, nos últimos anos o Congresso vem recorrendo sistematicamente ao estratagema dos reajustes de verbas extras. Agora, pelo ato assinado por João Paulo e o acordo feito por ele com Greenhalgh, a Câmara estaria juntando uma manobra administrativa para disfarçar aumentos a uma proposta clara de reajuste sustentada pelo argumento constitucional.

Por causa disso não se pode falar em equiparação, considerando a série de recursos "por fora" (auxílio-moradia, verbas de gabinete, passagens aéreas, dois salários extras por ano, mais o pagamento dobrado das convocações extraordinárias) garantidos aos parlamentares.

Daí a expectativa de que esta seja a primeira questão complicada a ser enfrentada pelo novo presidente da Câmara logo no reinício dos trabalhos, em 15 de fevereiro.

O STF e a Procuradoria-Geral da República obviamente não vão aceitar condicionar a aprovação de seus aumentos à hipótese de o Congresso conseguir vencer as inevitáveis críticas à concessão de mais um aumento para os parlamentares; estes, por sua vez, insistem em só aprovar o reajuste dos outros se puderem ser beneficiados pela dita equiparação.

Por enquanto, esse é um assunto tratado nos bastidores do Legislativo, mas se porventura Luiz Eduardo Greenhalgh vier a fazer do acordo um tema de sua campanha para a presidência da Câmara e se comprometer com o projeto de lei a fim de ganhar apoio de seus pares, iniciará sua gestão em ritmo de desgaste externo.

Se, ao contrário, deixar em segundo plano a corporação - como, aliás, seria mais de seu feitio -, para não piorar a imagem do Parlamento, assume o posto em ambiente de atrito interno o que terá, sem dúvida alguma, repercussão negativa para os interesses do Executivo.

O fator Guimarães

Em tese, as cúpulas do PT e do governo apostam na desistência da candidatura avulsa do deputado petista Virgílio Guimarães à presidência da Câmara já no início da semana e com fidalguia buscam construir para ele um discurso de "recuo honroso", argumentando que deve abrir mão da postulação dispondo-se a emprestar seu "grande prestígio" na Casa à candidatura de Luiz Eduardo Greenhalgh e, assim, garantir a vitória do Planalto e a unidade da base governista.

Na realidade, entretanto, o cenário não é assim tão cor-de-rosa. Há tensão no ambiente, admite-se que o processo foi mal conduzido dentro do PT, principalmente por causa da descortesia - para dizer o mínimo - dos argumentos utilizados pela direção do partido para se contrapor à escolha de Virgílio Guimarães como o candidato oficial.

Ele foi desqualificado em sua conduta pessoal e profissional e decidiu reapresentar a candidatura depois de ter-se retirado da disputa, tentando mostrar ao Planalto que tem prestígio na Casa e não pode ser tratado na base da difamação.

O núcleo político do governo não tira a razão de Guimarães, mas acha que paciência tem limite. Tem feito ver a ele que reconhece sua força política, mas que ela pode vir a sofrer um processo de desidratação quanto mais firme e forte o governo for utilizando seus instrumentos de poder em favor da candidatura de Greenhalgh.

O presidente Luiz Inácio da Silva garantiu ao deputado que não interferirá na disputa, mas nada assegurou a respeito da ação de seus ministros.

Nesse caso, Virgílio Guimarães tenderia a perder os apoios de que dispõe em partidos de relações estreitas com o fisiologismo e, insistindo na candidatura, acabaria sem boa parte do cacife político de hoje ao se expor dono de muito menos votos que o esperado.

A tradução dessa história em português claro é a seguinte: Virgílio Guimarães tem até esta semana para desistir. Se não o fizer, passará a ser tratado como adversário e seus aliados como inimigos.

A aposta, tanto no governo como na oposição, é a de que ele não resiste, desiste. Por isso, nem os mais convictos oposicionistas acham prudente investir nele para dividir os governistas e tentar impor uma derrota ao candidato do Planalto.