Título: Para cientistas políticos, sistema superou previsões
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2005, Nacional, p. A8

Parece pouco, mas não é: os 20 anos de democracia que o Brasil vive atualmente é o período democrático mais amplo, participativo e duradouro da história do País, registram os cientistas políticos. "O sistema político funcionou contra todas as previsões acadêmicas", reconhece a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, da USP. "Hoje nós temos uma efetiva democracia de massas. Todo mundo que pode ser eleitor é", observa o professor Leôncio Martins Rodrigues. O Brasil tem o terceiro eleitorado participativo no mundo, atrás de EUA e Índia. "Nosso sistema político é um sucesso. É importante reconhecer isso, para superar aquele velho complexo de vira-latas, e é importante perceber os aperfeiçoamentos necessários", diz o cientista político Jairo Nicolau, do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro). "O povo brasileiro é hoje mais politizado. Amadureceu muito", constata o historiador José de Souza Martins, da USP.

"Pouca gente apostou nas escolhas que a Constituinte fez", diz Nicolau, "e todos tiveram a sensação de que o sistema partidário entrava em colapso quando (Fernando) Collor venceu sem base partidária". O meio acadêmico previu que regras como o presidencialismo e o multipartidarismo seriam uma receita permanente contra a governabilidade. "O sistema parece lento, mas ao longo do tempo processou bem os problemas e alcançou um consenso que derrubou a inflação", assevera Maria Hermínia, "além de produzir uma tradição de alternância no poder". "Os políticos e os eleitores aprenderam a operar a democracia", salienta Leôncio.

Nicolau opina que ao longo do tempo os políticos e as instituições deram sinais de vitalidade. "O primeiro sintoma foi o afastamento de Collor sem grandes traumas. O segundo sintoma foi o teste das novas regras - eleição em dois turnos, urna eletrônica e reeleição - sem problemas. O terceiro foi a eleição de Lula." A democracia de massas é bem-vinda, mas traz problemas", contrapõe Leôncio. "A sobrevivência dos políticos depende de conquistar os votos dessa massa, o que de certa maneira estimula formas não ortodoxas de prática eleitoral."

Maria Hermínia lembra o lado bom - a inclusão de praticamente toda a população adulta à cidadania: "Nosso sistema político é complexo porque a sociedade é complexa. O processo de tomada de decisão é complicado por causa da federação. Mas é interessante que, mesmo não tendo produzido crescimento sustentado, produziu diminuição da pobreza." Nicolau registra que o Brasil está provando que é possível ter uma democracia sólida com partidos que não são fortes.

Martins cobra avanços e acha que o País já poderia ter evoluído para o parlamentarismo e para uma presidência com um só mandato de seis anos, além do voto distrital. Quanto à fragmentação partidária, ele adverte que o problema maior é "uma clara e crescente distância entre povo e poder". "Muita gente não se sente representada. A política, hoje, é, não raro, de feira livre".