Título: No RS, seca esvazia zona rural em 4 anos
Autor: Elder Ogliari
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2005, Nacional, p. A10

Nas pequenas propriedades rurais do Alto Uruguai, região montanhosa do norte do Rio Grande do Sul, às margens do lago da represa de Itá, os agricultores contabilizam os prejuízos da terceira estiagem em quatro anos e não escondem o desânimo. Em muitas casas, a constatação de que não haverá colheita de milho e feijão é o início de um ritual de despedida. "Essa seqüência de perdas acelera o êxodo rural", diz o coordenador de Políticas Agrícolas do Sindicato Unificado dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Sutraf), Ari Pertuzatti. Não é difícil confirmar a constatação. Às voltas com o armazenamento do que sobrou das folhas e espigas de milho ou com a busca de água para os animais nos filetes que ainda escorrem nos arroios, os agricultores admitem deixar a atividade. "Já fui procurar emprego em Erechim", revela Elói Backes, enquanto espera o resultado dos testes que fez numa agroindústria. Nas contas, os 200 sacos que milho que ainda vai colher - esperava 700 - pagam apenas R$ 3,2 mil dos R$ 5 mil gastos na lavoura.

"Parece que o diabo está enterrado aqui", reclama Backes, dizendo que as nuvens passam pelo local onde mora, a linha 1.º de Junho, e só vai chover na barragem de Itá. Se conseguir a vaga, ele deixará a agricultura, assim como os seus irmãos Silvio e José, que trocaram a enxada pela farda da Brigada Militar e hoje patrulham ruas de municípios da região.

Numa comunidade rural próxima do centro de Barra do Rio Azul, emancipado de Aratiba em 1992, Jair e Nairdes Girelli andam com o coração apertado. E não é só por causa da perda da lavoura de verão. O plano de reformar a casa foi adiado e também o de comprar mais um pedaço de terra para manter o filho Fábio por perto. Amanhã, o jovem de 23 anos vai para Erechim carregando a esperança de conseguir um emprego numa indústria metal-mecânica.

"Se a safra fosse boa, teríamos ampliado a atividade e ele ficaria", comenta Jair, desanimado com a perspectiva de salvar apenas 7 toneladas de uma lavoura projetada para render 30 toneladas de milho. Aos 50 anos, o agricultor acha que não está mais em idade de buscar outro trabalho. Só por isso não toma o mesmo rumo. "Se é para melhorar de vida, é melhor que ele vá", conforma-se Nairdes, sem esconder as lágrimas.

A filha do casal, Graciele, vive em Porto Alegre há três anos, trabalha num supermercado, mas não conseguiu dinheiro para ingressar na faculdade. Quer ser veterinária.

ESTATÍSTICAS

Na casa de Leida Prior, vizinha dos Girellis, a despedida ocorreu domingo passado. O filho Diego foi trabalhar num aviário na região metropolitana de Porto Alegre. As estatísticas do IBGE mostram que o êxodo não é fenômeno recente. Aratiba tinha 11.808 habitantes em 1980. No fim de 2004, eram 6.692.

Deve-se considerar que a emancipação de Barra do Rio Azul e a mudança de agricultores que tiveram as terras alagadas pela hidrelétrica de Itá, assim como a pequena rentabilidade da agricultura local. "Mas a estiagem também conta", diz o coordenador do Sutraf em Aratiba, Benjamim Antonietti.

"Só depois da seca do ano passado, dez famílias da Liso, Santa Cecília e Rio Antas foram para o Vale do Sinos (região industrial, produtora de sapatos", conta Fernando Fornazieri, que perdeu 80% das lavouras de milho e feijão.

"Às vezes dá vontade de chutar o pau da barraca e ir para a cidade", confessa Édio Luis Mohr, de 28 anos, que, com o irmão Éder, de 22 anos, ficou na casa dos pais, na linha 1.º de Junho. "Mas, se vem uma chuva, a gente reanima e começa tudo de novo."

Aos 49 anos, Eduardo Rogoski pode resumir as transformações que o Alto Uruguai sofreu nos últimos anos. Ele cedeu 3 dos 20 hectares que tinha para a hidrelétrica de Itá. Também viu comunidades inteiras serem engolidas pelo lago e dezenas de vizinhos partindo. O filho único Mércio Adilson, de 25 anos, preferiu trabalhar de pedreiro em Chapecó (SC) e nem sabe do drama que os pais estão vivendo.