Título: Em 2004, Rio bateu recorde de transferências ao exterior
Autor: Fabiana Cimieri
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2005, Vida &, p. A14

Enquanto a política do governo federal é a de reduzir ao mínimo as adoções internacionais, em alguns Estados, como Rio e Pernambuco, a prática aumentou nos últimos anos, estimulada pelas Comissões Estaduais Judiciárias de Adoção (Cejas). Apesar de garantirem que a adoção por casal estrangeiros é a última opção, a coordenadora da Autoridade Central Federal, Patrícia Lamego, disse que nem todos os Estados respeitam a prioridade para brasileiros. Ela não quis citar os Estados a que se referiu. O desembargador aposentado Thiago Ribas Filho, presidente da Ceja-RJ, comemora o recorde de adoções internacionais no Estado, alcançado no ano passado. Foram 39 adoções em 2004, antes os 22 de 2002. "Aqui existe o que eu chamo de adoção à brasileira. Não gostamos de dizer que nosso filho é adotado. Então, há uma preferência absoluta por bebês brancos. E a maioria de nossas crianças é negra ou parda", disse ele, acrescentando que o Estado tenta encontrar uma família nacional, mas que nem sempre é possível.

Foi o que aconteceu com Linda*, de 8 anos, e João*, de 6. Negros, filhos de pai desconhecido e mãe mendiga, que chegou a ser advertida três vezes antes de perder definitivamente o poder familiar, os dois viam suas chances de encontrar uma nova família diminuir gradativamente, na medida em que os anos no abrigo iam passando. Há 40 dias, o casal Marcello e Antonella Migarelli, de Frosinona, pequena cidade italiana, chegou para adotá-los.

Apesar de o processo ainda não ter sido julgado, a empatia foi imediata. "Senti uma emoção forte desde a primeira vez em que os vi. São os filhos que espero há tantos anos", disse Antonella. "Acho belo a cor negra, temos de nos misturar", afirmou, acrescentando que, na cidade onde moram, muitos casais adotaram crianças brasileiras ou africanas. Antonella acha que, por isso, eles não se sentirão discriminados.

A juíza da Ceja-RJ, Ana Maria Pereira, confessou que tinha preconceito contra as adoções internacionais. "Antes de ser magistrada, tinha muito receio. Hoje, vejo que dá certo, até porque os adotantes vêm para cá com uma vontade sincera de que dê certo", disse ela.

O juiz da Infância e Juventude e secretário-executivo da Ceja de Pernambuco, Élio Braz, afirma que o aumento da adoção internacional é conseqüência da demora da Justiça em disponibilizar a criança para adoção - a maioria dos estrangeiros não faz objeção quanto à idade da criança.

"O direito é de a criança ter uma família, e não o inverso", afirmou Braz. "Se uma mãe alcoólatra ou drogada precisa de um tratamento de dois ou três anos, o filho não pode esperar esse tempo todo para ter uma mãe." Para ele, "cada dia no abrigo causa um prejuízo incalculável a um ser humano em pleno desenvolvimento psicossocial". Atualmente, a Justiça só pode disponibilizar a criança para adoção depois que ela tiver passado um ano no abrigo.