Título: Abbas toma posse e propõe trégua a Israel para chegar à paz
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2005, Internacional, p. A18

O líder da Organização de Libertação da Palestina (OLP), Mahmud Abbas, de 69 anos, assumiu ontem a presidência da Autoridade Palestina (AP) com um discurso em que propôs paz a Israel e pediu "um compromisso mútuo para um cessar-fogo e o fim do ciclo da violência". Abbas não fez nenhuma menção, porém à estratégia que pretende adotar para convencer os grupos radicais palestinos, incluindo ramificações de sua facção, a Fatah, a pôr fim à luta armada para permitir a retomada das conversações de paz. Eleito domingo passado com 62% dos votos, Abbas é o segundo a assumir a presidência da AP, antes ocupada por Yasser Arafat, falecido em novembro.

Enquanto em Ramallah, na Cisjordânia, ocorriam as cerimônias de posse, o dia era violento na Faixa de Gaza. Oito palestinos foram mortos pelo Exército de Israel em ações separadas. Soldados mataram dois policiais da AP e três militantes numa ofensiva na cidade de Gaza. Os militares disseram ter lançado a operação depois que palestinos atacaram com morteiros a colônia judaica de Netzarim. Horas depois, um menino israelense ficou seriamente ferido num ataque a Netzarim.

Outros dois palestinos foram mortos em Rafah, no sul, e dez ficaram feridos, incluindo quatro crianças. Soldados atiraram quando o grupo colocava uma bandeira palestina num posto abandonado pelo Exército, disseram testemunhas. À noite, um militante foi morto em Khan Yunis, também no sul, e uma adolescente israelense foi ferida num ataque com foguetes contra Sderot, sul de Israel.

Na sexta-feira, apenas um dia antes da posse, o primeiro-ministro de Israel, Ariel Sharon, rompeu os contatos com Abbas e advertiu que só dialogará com ele depois que adotar medidas para conter os grupos que atacam israelenses. Na quarta-feira, numa ação conjunta de três organizações, seis israelenses foram mortos na passagem de Karni, entre Israel e a Faixa de Gaza. Em resposta, Israel fechou todos os postos fronteiriços com o território, isolando-o por tempo indeterminado.

"Condenamos essas ações (de violência), sejam as das forças de ocupação israelenses ou as reações de algumas facções palestinas", disse Abbas, após a cerimônia. "Isso não ajuda a trazer a calma de que precisamos para edificar um processo de paz sério, digno de credibilidade. Buscamos um cessar-fogo mútuo e o fim do ciclo da violência." O presidente da AP reafirmou que usará de persuasão, e não de coerção, nas negociações com os líderes dos grupos que se negam a pôr fim ao uso de armas. No entanto, tentativas anteriores de buscar uma trégua não foram bem-sucedidas.

As organizações islâmicas Hamas e Jihad Islâmica rejeitaram o chamado de Abbas. Um líder do Hamas salientou que um cessar-fogo não será possível enquanto Israel continuar prendendo e matando militantes. "Somos uma nação ocupada que se defende", disse um porta-voz em Gaza, Sami Abu Zahri. Já o dirigente da Jihad nesse território, Mohamed al-Hindi, falou sobre a importância do diálogo interpalestino, mas destacou que "a resistência armada está vinculada à ocupação".

CRISE POLÍTICA

Além da violência em Gaza, o líder da AP enfrentou ontem seu primeiro problema político: dois altos funcionários eleitorais renunciaram após denunciarem ter sido pressionados a cometer irregularidades na votação que levou Abbas ao poder. Sua decisão foi seguida por outros 44 membros da Comissão Eleitoral Central.

Todos disseram ter sido pressionados pelos organizadores da campanha de Abbas e dirigentes do setor de inteligência da AP a modificar procedimentos de votação na eleição presidencial. Não foram dados detalhes sobre a alteração feita. Quando a comissão estava reunida, no dia da votação, disseram, para avaliar as mudanças, tiros foram disparados contra sua sede, em Ramallah.

Funcionários da comissão afirmaram ontem ter reconhecido pelo menos um dos atiradores, que seriam membros da inteligência da AP