Título: 'Foi como um trem numa pilha de papelão'
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2005, Internacional, p. A20

Há 20 anos envolvido com resgates em áreas destroçadas por terremotos e vulcões, Sylas Silveira não tem dúvidas: nunca tinha visto tragédia maior do que a causada pelas ondas gigantes na Ásia. "Acho que vai ser a maior tragédia dos 50 anos passados e dos 50 futuros. Teve região em que você andava 10 quilômetros sem encontrar um poste de luz em pé. Foi como uma locomotiva entrando numa pilha de papelão." Especializado em terremotos, seu trabalho no Sri Lanka foi um pouco diferente do usual. "Geralmente tem prédios caídos, vou cortando ferro e concreto e o pessoal vai retirando com as gruas. Aqui trabalhei no trem (que descarrilou e matou cerca de 1.700 pessoas), em barcos, alguns prédios, mas a força da água foi impressionante. Só o trem enterrou umas 70 pessoas. Acho que não sobrou ninguém ali."

Mas o que o deixou mais triste foi ver que, tirando os turistas, todas as vítimas eram pobres. "Os governos constroem suas defesas e o povo fica muito vulnerável. Os pescadores ficaram dizimados, foram 100% abatidos. Muitos presos nos barcos, outros arrebentados no meio da madeira."

Chamou-lhe a atenção também o "cheiro terrível" da decomposição dos corpos. "O único jeito de suportar era empurrando Vic Vaporub dentro do nariz, como se fosse uma tomada", conta. "O pessoal já anda com aquilo oferecendo para a gente. Máscaras são para sair na foto." Segundo Sylas, ainda há muito barro, muito lodo e muitos cadáveres presos sob um tapete de árvores derrubadas pela água. E uma mortandade impressionante de crianças e idosos. "É como levar a família para Santos. Quando vem a onda, os jovens têm mais chances de escapar. Mas, para o bebezinho, o deficiente, o ancião, fica mais difícil." .