Título: Sylas, o caçador de tragédias
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2005, Internacional, p. A20

Milhões de brasileiros lamentaram a devastação dos tsunamis. Milhares fizeram doações. Mas só um mato-grossense que há anos vive no Rio Grande do Sul fez as malas logo que viu a tragédia na televisão. No dia 31, ele desembarcou no Sri Lanka com três motosserras na bagagem. Foi até lá ajudar a cortar ferragens, desobstruir caminhos para o resgate de corpos, verificar se há brasileiros. Chama-se Sylas Silveira. Aos 59 anos, é conhecido em embaixadas como uma espécie de Dom Quixote brasileiro. Sempre que algum país é devastado por terremoto, ele se apresenta como voluntário para ajudar. Já foi para Argélia, Irã, Equador, Colômbia. E, ao México, onde, conta, sua "maluquice" começou, em 1985. Desta vez, lamenta ter demorado tanto a chegar à Ásia.

Logo após o Natal, já se organizou para viajar. Sem avisar ninguém, trocou dólares, pegou a carteira de vacinação da febre amarela e foi para Brasília tirar vistos. "Dois dias depois das ondas, soube de um avião que estava vindo para Colombo (capital do Sri Lanka). Se não tivesse perdido um dia com vistos teria chegado antes", reclama. Ao falar por telefone ao Estado, na semana passada, estava já em Shenai, na Índia.

"Vi que meu serviço no Sri Lanka estava completo. Ali já se entrou na fase da reconstrução." Seguiu para a Índia porque ouviu que lá a situação era mais crítica. Ao chegar à embaixada brasileira em Nova Délhi, encontrou funcionários preocupados. "O pessoal dizia: tá sumido brasileiro em Shenai. Então resolvi vir para cá."

No caminho, armou sua estratégia. Minutos depois de chegar à cidade, vestiu uma camiseta da seleção brasileira, pegou uma placa informando estar em busca de brasileiros e foi para o lugar de maior movimento - "tipo uma estação da Sé". Passou o dia todo ali. Ao chegar ao hotel, havia o recado de uma brasileira que mora na região e contou que nenhum dos 12 brasileiros da lista de desaparecidos do Itamaraty na área estava por ali.

Sylas decidiu então viajar a Port Sherry, onde o tsunami também deixou vítimas. Mas nem um mapa encontrou no hotel. "Imagine um cara que só sabe falar português num lugar onde até o inglês é enrolado", disse, rindo. E como ele fez para se virar? "Sei algumas palavras em inglês. E para tudo digo amanhã", diverte-se. "Vêm me cobrar ou oferecer café e respondo: tomorrow, tomorrow." Mais sério, acrescenta: "Vou a qualquer parte do mundo sem problema. Passo vergonha nos primeiros minutos, mas depois todo mundo vem ajudar. Quando cheguei ao Sri Lanka, pensei: tô no fim do mundo, nem embaixada brasileira tem. Mas depois tu toma um táxi, o cara vê tua máquina trabalhando e entende. Nos últimos dias, o taxista que me acompanhava já tava brasileiro. Faltava gasolina, ele ia buscar; precisava de ajuda, ele chamava."

As máquinas que usa nos resgates são fabricadas na empresa de 80 funcionários que Sylas fundou em 1973 em São Jerônimo, a 64 quilômetros de Porto Alegre. Foi por causa delas, aliás, que suas aventuras começaram. Quando soube do terremoto no México, em 1985, o filho de Silvio e Idalina Silveira, dois artistas do cinema nacional, nascido no meio dos índios carajás, resolveu doar três cortadeiras. Mas percebeu que, com a burocracia, elas só chegariam depois que ninguém mais precisasse. Resolveu então ir até lá entregá-las. E acabou convencido por taxistas a trabalhar nos escombros. Duas semanas depois, foi condecorado pelo Exército mexicano. A homenagem terminava com uma sugestão: "Leve ao governo e ao povo brasileiro o agradecimento do povo mexicano. E que esse seu gesto sirva de estímulo e exemplo para a união dos povos latino-americanos."

Entusiasmado, Sylas e companheiros de resgate decidiram formar a Brigada Latino-Americana. A missão era ter dez pessoas em cada país, prontas a agir em catástrofes. Chegaram a imprimir carteirinhas, mas hoje, conta, a ONG está "meio fracassada". Muitos casaram, perderam contato.

Sylas continua fazendo sua parte. Sempre com recursos próprios. Na viagem à Ásia, aproveitou as férias para viajar e calcula que seus gastos passarão de R$ 20 mil até esta semana, quando retorna ao Brasil. "Quando fui condecorado no México, o governo quis pagar minhas despesas, mas os caras já tavam numa situação brava e eu ainda ia cobrar?" Preferiu pagar as passagens em dez prestações. Ser voluntário ainda tem seus contratempos. No Sri Lanka, um inseto entrou em seu ouvido. "Foi uma dor terrível", diz. "Tive de ir até o aeroporto pedir para os militares tirarem. Até hoje sinto o zumbido."

Nada, porém, que o faça desistir. "Acho que a gente termina fazendo uma coisa de utilidade para o Brasil. Quando houve o terremoto na Argélia, o País mandou apenas um telegrama de condolências. Mas o que significa um papel em meio à tragédia? Fui trabalhar lá e o embaixador brasileiro me levou ao gabinete do ministro que chefiava os resgates. Quando ele me viu com a máquina, repetiu 'Brasil, Brasil' umas dez vezes. Parecia que o Ronaldinho tinha feito um gol. Aí, prometi: 'Meu Deus, sempre que puder, quero levar o nome do Brasil para a frente'."

No Brasil, o único agradecimento público que recebeu até hoje veio do senador Eduardo Suplicy, que citou seu nome no Congresso Nacional. Mas ele agradece a ajuda do Itamaraty nesta viagem. "Nunca tinha visto tanta agilidade." E se ele mudou depois de ver tanta catástrofe? "Fiquei mais sensível. E cheguei a uma conclusão: tragédias são raras. As coisas felizes acontecem em número muito maior na vida."