Título: Com aval de Lula, Palocci articula autonomia do BC
Autor: Sheila D Amorim, James Allen
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2005, Economia, p. B7

A aprovação de uma lei assegurando ao Banco Central (BC) a liberdade de tomar decisões para controlar a inflação, sem influências do Presidente da República ou ministros e políticos, já está entre as prioridades da equipe econômica para 2005, mas ainda percorrerá longo caminho antes de entrar na agenda do Congresso. Com o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, terá como primeiro desafio retomar a discussão sobre a autonomia do BC, interrompida no início de 2003, evitando o debate ideológico e apresentando o tema como uma medida técnica importante para o projeto de desenvolvimento do PT para o País.

A estratégia começou com a inclusão do tema num documento oficial da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, divulgado no dia 29 de dezembro, listando as prioridades do governo para este ano. Com um texto sucinto, esta foi a primeira vez que os técnicos da área econômica puseram no papel a abordagem do assunto, até então limitada aos discursos de Palocci, durante o ano passado.

O ministro insistia em salientar a idéia de que a autonomia do BC era operacional e não significava dar um cheque em branco para os diretores da instituição o utilizarem como bem entenderem. O tema é de tal modo delicado para o governo e sua base parlamentar, que até a forma e o momento da divulgação do documento sobre a agenda de 2005 criaram tensões na equipe.

A Fazenda quer acenar para a comunidade financeira, principalmente os investidores internacionais, de que o BC toma decisões com base estritamente na análise econômica e não se submete a pressões, mesmo desagradando seus chefes imediatos. O banco precisa mostrar que a contrariedade do vice-presidente, José Alencar, com os recentes aumentos das taxas de juros, não tem influência nas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom).

Embora o BC e a Fazenda venham afirmando que neste governo a Autoridade Monetária tem liberdade para atuar, não há lei assegurando as regras adotadas pela instituição. Enquanto não existir a lei, haverá sempre dúvidas sobre intromissões políticas nas decisões do BC, avalia a equipe econômica.

Definidos em lei os mandatos fixos, as formas de designação ou demissão, as responsabilidades e as regras de atuação, os diretores e o presidente do BC poderão ser cobrados pelo que determina a lei. Com base legal, poderão resistir a pressões políticas para afrouxar as metas econômicas, como a taxa de inflação ou a de juros.

No documento da Fazenda, dois argumentos são apresentados a favor da autonomia operacional. O primeiro atribui ao aumento da credibilidade do BC brasileiro, a possibilidade de reduzir a taxa de juros no Brasil sem aumento da inflação. A confiança no comprometimento do BC com estabilidade econômica faria com que os compradores dos títulos da dívida pública se dispusessem a pagar preços menores, pois haveria menor risco de calote. E o chamado risco Brasil se reduziria.

Além disso, na interpretação dos técnicos da Fazenda, a aprovação da autonomia dos bancos centrais em outros países tem sido eficiente para evitar que em períodos eleitorais, como será o de 2006 no Brasil, os governantes abram mão, por exemplo, do controle da inflação para gerar mais crescimento no curto prazo. É a típica pressão política que afetaria a credibilidade do banco.

Mas o assunto não é pacífico e Palocci sabe disso. Há resistências a serem vencidas dentro do Palácio do Planalto, a começar pelo ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, o principal articulador, em 2003, da retirada do projeto da agenda do governo. Lula já está convencido da argumentação de Palocci mas também não quer que isso abra uma crise dentro do partido ou da base aliada. Com isso, Palocci vem encaminhando o tema nos bastidores e sem muita pressa. Já Meirelles se abstém da discussão pública mas acredita que há grandes chances do projeto avançar em 2005, abrindo espaço para queda dos juros.