Título: Líderes elogiam engenharia política que levou à democracia
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2005, Nacional, p. A8

Políticos que participaram do processo de redemocratização em 1985 se orgulham, hoje, de sua obra. "Devemos aos políticos brasileiros a sabedoria de uma engenharia política que fez com que o Brasil tivesse a mais tranqüila de todas as transições democráticas", diz o ex-presidente José Sarney. "A vitalidade do sistema político brasileiro é inegável", observa o senador Marco Maciel (PFL-PE), ex-vice-presidente e ex-presidente da Câmara dos Deputados. "Construímos o ordenamento jurídico possível, mas ele mostrou sua solidez ao longo dos anos", comenta o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA). "A incorporação de novas forças políticas ao processo lhe deu consistência", opina o ex-deputado Fernando Lyra, primeiro expoente da esquerda a aderir a Tancredo em 1985. No dia 15 de janeiro de 1985, há exatos 20 anos, o Colégio Eleitoral formado por maioria do PDS, então partido do governo militar, deu 480 votos a Tancredo Neves e 180 a Paulo Maluf, que cinco meses antes havia vencido o candidato oficial do PDS, coronel Mário Andreazza, na convenção do partido. Houve 17 abstenções, cinco delas de deputados do PT (que então tinha apenas oito deputados). O resultado encerrou o ciclo inaugurado com o golpe militar de março de 1964.

Naquela época, as oposições tinham duas estratégias para derrubar o regime militar, ambas organizadas pelos governadores oposicionistas eleitos em 1982 nos maiores Estados do País. A primeira delas era lutar pela aprovação de uma emenda constitucional que instituísse as eleições diretas em 1985; a segunda, mantida sob cuidadosa discrição, era lançar um candidato para disputar no Colégio Eleitoral. A partir de janeiro de 1984 a oposição lançou a campanha das Diretas, que mobilizou milhões de pessoas em todo o País, sob a liderança de Ulysses Guimarães, que despontava como candidato natural da oposição em eleições diretas.

Derrotada a emenda das Diretas, a opção da redemocratização direcionou-se para a figura de Tancredo, freqüentemente mencionado como um dos políticos mais talentosos do País. Em uma campanha de alguns meses, ele conseguiu reverter o voto da maioria dos delegados do PDS (senadores, deputados e delegados eleitos pelas assembléias estaduais). Essa estratégia foi muito facilitada pela fraqueza dos dois candidatos do PDS, Andreazza e Maluf, mas a escolha do segundo fez as mais importantes lideranças do PDS apoiarem Tancredo.

A primeira referência à candidatura de Tancredo surgiu na sua posse no governo de Minas. O deputado Fernando Lyra, um líder da esquerda, compareceu à posse e disse claramente a Tancredo: "O senhor é o meu candidato por via direta ou indireta". No fim deste ano os governadores do PMDB convocaram uma reunião e aprovaram campanha pelas eleições diretas. Os governadores oposicionistas de São Paulo (Franco Montoro), Minas (Tancredo) e Paraná (José Richa) passaram a comandar o contra-processo sucessório.

Em fevereiro de 1984, o vice-presidente Aureliano Chaves, que contestava o governo há algum tempo, lançou a sua candidatura no Automóvel Clube de Minas tendo o governador Tancredo à sua direita e o governador do Ceará, Luiz Gonzaga Mota, o Totó, seu aliado, à esquerda. Ficou combinado que se o nome de Aureliano não se viabilizasse no PDS, Tancredo seria a alternativa. Quando as diretas foram derrotadas, em abril de 1984, Tancredo admitiu publicamente a candidatura.

Em julho deixou o governo e lançou-se formalmente candidato. Magalhães revela que se acertou com Tancredo numa reunião em Brasília. "Ele me convidou para ser ministro. Eu podia escolher o ministério. Passamos a nos falar todos os dias, até a eleição."