Título: Carta de ACM contra Délio ajudou a sepultar a ditadura
Autor: Carlos Marchi
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2005, Nacional, p. A9

Em 1984, Antônio Carlos Magalhães teve um dia de aniversário conturbado: no dia 4 de setembro, o general Figueiredo foi inaugurar as obras no aeroporto de Salvador (que hoje tem o nome de Luiz Eduardo Magalhães, filho do senador) e o ministro da Aeronáutica, brigadeiro Délio Jardim de Mattos, fez um discurso duríssimo, chamando de "traidores e covardes" os que não apoiavam Maluf. Contra a opinião de Tancredo, ACM devolveu os insultos numa nota igualmente dura. No mesmo dia, Tancredo se encontrou, no Rio, com o ex-presidente Ernesto Geisel, que também não gostava de Maluf. Hoje ACM conta que combinou com Roberto Marinho que a TV Globo repetiria várias vezes a nota com que ele replicou o ataque de Délio Jardim. O episódio marcou o último vagido do confronto entre militares e políticos de oposição: dali por diante foi ficando cada vez mais claro que Tancredo tinha articulações amplas, enquanto Paulo Maluf patinava nas restrições a seu nome.

NOVA REPÚBLICA

Fortemente apoiado pelos governadores do PMDB, Tancredo usava um esperto artifício para ampliar adesões: pedia aos visados que dessem idéias sobre a área de governo em que fossem especialistas.

E depois pinçava cuidadosamente frases de cada "fornecedor" para dar-lhe a impressão de que estava influenciando o futuro governante, conta hoje o jornalista e publicitário Mauro Salles, que foi um dos principais assessores de Tancredo Neves e seu amigo desde a década de 60, quando foi secretário do Conselho de Ministros que Tancredo presidiu.

Foi assim que nasceu a expressão Nova República, que marcaria fortemente seu governo. Tancredo pediu a Afonso Arinos que mandasse uma colaboração sobre a parte jurídica de seu discurso de posse. Veio um texto frustrante.

Decepcionado, Tancredo pediu a Salles para reler o texto e descobrir uma frase marcante, ao menos. Salles acabou descobrindo ouro no bilhete manuscrito que acompanhava o texto. Nele, Arinos dizia que o texto era "uma contribuição para criar uma nova República". Salles pinçou a expressão e Tancredo a consagrou.

Salles conta que um movimento fundamental da ascensão de Tancredo à presidência foram os comícios feitos em várias capitais.

Aparentemente inúteis - porque não era uma eleição direta -, todos os comícios tiveram ampla participação do povo e serviram para mostrar o apoio popular e, portanto, para dar legitimidade a Tancredo Neves.

TV COMO ARMA

Outro artifício usado foi o pedido que os partidos de oposição fizeram discretamente à Justiça Eleitoral para autorizar o televisionamento da sessão do Congresso que elegeria o futuro presidente. A Justiça concedeu a autorização e tudo foi acertado com as televisões.

Isso depois virou uma arma para constranger parlamentares que hesitavam em apoiar Tancredo: eles ouviam o argumento de que "o Brasil inteiro" veria seu voto em Maluf. A adesão era quase sempre imediata.

Logo se construiu forte pressão popular, claramente perceptível pelos parlamentares hesitantes, em favor da candidatura Tancredo, na esteira do movimento das diretas, que tinha ocorrido no semestre anterior.

Para complementar, a assessoria de Tancredo estimulava a realização de pesquisas de opinião para verificar o apoio popular a Tancredo (e a Maluf).

O apoio a Tancredo, lembra hoje Mauro Salles, era sempre em torno de 70%. Curiosamente, no Colégio Eleitoral Tancredo teve 69% dos votos.