Título: O dólar e o Banco Central
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2005, Economia, p. B2

A Merrill Lynch, um dos principais bancos de investimento do mundo, adverte em sua análise de 13 de janeiro que o vertiginoso aumento das reservas da China sugere que está em curso um forte movimento especulativo que aposta na revalorização do yuan, a moeda chinesa. Ao final de dezembro de 2003, as reservas chinesas estavam nos US$ 403,3 bilhões. Doze meses depois, estavam a US$ 609,9 bilhões, 51,2% acima. A incorporação de US$ 206,6 bilhões ao longo do ano foi 745,6% maior do que o superávit comercial (exportações menos importações), de US$ 32 bilhões.

Mais significativo é o fato de que nos dois últimos meses de 2004 as reservas aumentaram US$ 67,5 bilhões. O nível das reservas é hoje de 40% do PIB.

A professora Eliana Cardoso, consultora do Banco Mundial e professora da Fundação Getúlio Vargas, observa que, no mercado de câmbio, os fluxos financeiros se antecipam aos fluxos comerciais. É isso o que os analistas da Merrill Lynch estão dizendo quando observam que as reservas chinesas estão crescendo mais depressa do que o superávit comercial (exportações menos importações).

Como o Banco Popular da China (banco central) está comprometido a comprar todos os dólares apresentados aos bancos chineses, tudo se passa como se os especuladores apostassem em que está próximo o dia em que a China não conseguirá sustentar a troca de moedas a 8,28 yuans por dólar, o câmbio atual. Se isso ocorrer, virá a revalorização e quem a tiver debaixo do colchão será agraciado com mais dólares por yuans.

Toda compra de dólares injeta yuans no mercado e, nessas proporções, parece inevitável o aumento da inflação, algo que os estrategistas chineses abominam. Basta considerar que, lá, os juros básicos são de 3,1% ao ano e as projeções da inflação anual apontam para algo em torno dos 4%. Por aí se vê que os juros reais na China são negativos, indício de excesso de moeda no mercado.

O drama chinês reflete em tamanho gigante algo parecido com o drama do câmbio brasileiro que está afligindo o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan.

Uma das diferenças é a de que, lá, o câmbio é fixo e, por isso, a entrada líquida de dólares desemboca no aumento das reservas. Aqui, o câmbio é flutuante, o Banco Central compra só o que quer ou pode e o ajuste se dá no preço (câmbio). Mas, no mercado monetário, a conseqüência da compra de moeda estrangeira é a mesma: mais moeda nacional é bombada para dentro da economia. O problema de fundo é o mesmo, tanto para a China como para o Brasil: é o dólar que tende a perder força no mercado internacional diante das outras moedas e isso tende a fortalecer tanto o yuan como o real.

Tudo indica que, no Brasil, o processo esteja só começando. À medida que os fundamentos da economia melhorarem, como têm melhorado, a tendência à revalorização do real tende a acentuar-se.

Eliana Cardoso faz duas advertências: 1) o simples aumento das importações brasileiras não levará à apreciação cambial; e 2) o poder de intervenção do Banco Central do Brasil é limitado.

E acrescenta que o Banco Central tem razão em ser prudente na política de juros. "Se uma redução dos juros fosse vista com desconfiança pelo mercado financeiro, o efeito sobre o câmbio e sobre a inflação poderia ser desastroso. Muitas vezes o câmbio se move muito além do que seria seu ponto de equilíbrio. Há overshooting e depois a moeda se move na direção contrária."