Título: Documento da oferta levanta suspeitas
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2005, Economia, p. B6

Um detalhe nos documentos legais que regulamentam a oferta de reestruturação de dívida soberana de US$ 100 bilhões da Argentina com credores privados, iniciada ontem, está levantando dúvidas entre investidores e analistas. Segundo o jornal Financial Times, que chamou a atenção para o problema na edição de ontem, a questão pode até enfraquecer a estratégia de marketing do governo argentino. Alguns analistas e estrategistas de bancos da City londrina pediram esclarecimentos às autoridades argentinas, mas a dúvida ainda permanece. Para obter a maior adesão possível dos credores à reestruturação da dívida, o governo Néstor Kirchner prometeu repetidamente que os participantes da transação terão direito a qualquer melhora subseqüente na oferta, graças à cláusula "credor mais favorecido". O governo diz que a cláusula foi criada para proteger os investidores, ao garantir que não haverá oferta melhorada no futuro.

Isso, segundo os analistas, é uma das principais armas para estimular a troca. Mas o FT observou que o estudo cuidadoso de um parágrafo do "Prospectus Supplement" - documento legal submetido e aprovado pelas autoridades dos Estados Unidos - sugere que o governo pode fechar acordos com credores no futuro, em condições melhores, sem necessariamente acionar a cláusula.

Na página 60 do documento, está disposto que "a Argentina se reserva o direito (...) de comprar, trocar, oferecer para comprar ou trocar, ou entrar num acordo a respeito de qualquer papel elegível que não seja trocado na oferta". E acrescenta: "Os termos dessas compras, trocas, ofertas ou acordos poderão diferir dos termos da oferta."

O ponto crítico, segundo o FT, é que a frase seguinte omite a palavra "acordo": "Detentores dos novos papéis terão o direito de participar de qualquer compra voluntária, troca, oferta para compra ou troca estendida ou acertada com os papéis elegíveis não trocados na oferta". O FT afirma que uma versão prévia do documento, de dezembro passado, contém a palavra "acordo". A retirada da palavra levantou suspeita de que seja uma estratégia deliberada da Argentina. Ela permite uma negociação futura dos títulos não incluídos nessa troca, com condições mais vantajosas para os credores.

Para o economista Rodrigo Da Fonseca, do banco Dresdner Kleinwort Wasserstein, o tema deve ser esclarecido pela Argentina e não terá implicações sérias. O processo de troca da dívida será "barulhento", mas no fim o governo argentino terá sucesso, diz. "Boa parte dos credores deixará para aderir à troca perto da data limite, no fim de fevereiro."