Título: Argentina inicia 43 dias de tensão
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/01/2005, Economia, p. B6

O governo do presidente Néstor Kirchner iniciou ontem um período de 43 dias de guerra de nervos, ao longo do qual estará aberta a operação de reestruturação da dívida pública com os credores privados. No primeira dia da troca de títulos velhos (em estado de calote) pelos novos (reestruturados), os fundos de pensões (conhecidos na Argentina pela sigla AFJPs) aderiram em peso. Com eles, o governo já conta com 18,25% de adesão. A Bolsa de Valores portenha também apresentou significativo fluxo de companhias de seguros e bancos locais. A presença desses setores na largada da operação era esperada, já que haviam fechado acordo com o governo semanas atrás. Com a participação dos bancos locais, fundos de pensões e companhias de seguros - mais alguns pequenos investidores argentinos -, o governo Kirchner espera conseguir nos primeiros dias da operação uma adesão inicial entre 20% e 30%. O governo cruza os dedos, na expectativa de que a disposição desses setores em optar pelos novos títulos sirva de "efeito manada". Ou seja, que os credores restantes sejam levados pela onda, tal como um bando de elefantes em disparada.

Segundo o presidente da Bolsa de Valores, Luis Corsiglia, a operação está sendo realizada de forma normal e existe uma boa resposta à reestruturação. O governo Kirchner também recebeu boas notícias da Itália, onde a Embaixada da Argentina em Roma informou que seu call-center recebeu ontem 3.500 ligações telefônicas de credores ansiosos para tirar dúvidas sobre a operação de reestruturação. Esta reação era totalmente inesperada, já que a Itália havia sido um dos países com mais grupos de credores declaradamente anti-reestruturação.

Além disso, também existe grande expectativa, para as próximas semanas, da eventual adesão de milhares de credores argentinos que no passado compraram bônus de seu próprio país no exterior, principalmente na Suíça e Estados Unidos. Nestes casos, considera-se que são credores que dificilmente optariam pela via judiciária para reaver seu dinheiro, já que em geral esses bônus não foram declarados para a Receita.

A operação termina em 25 de fevereiro, e pode ser prorrogada até 4 de março. Mas o resultado somente será divulgado oficialmente em 18 de março. No entanto, o secretário de Finanças, Guilermo Nielsen, declarou que o governo possivelmente apresentará resultados parciais nas próximas semanas. Os novos bônus serão entregues em 1.º de abril.

Esta é a maior reestruturação de dívida da história mundial, envolvendo US$ 81 bilhões em títulos, cujo valor será reduzido para algo entre US$ 38,5 bilhões e US$ 41 bilhões. Do sucesso - ou não - da operação dependerá o retorno do país aos mercados internacionais de crédito. A troca da dívida argentina está sendo ironicamente chamada de "a mãe de todas as reestruturações".

MONTANHA-RUSSA

Alguns analistas afirmam que o país terá motivo para nervosismo mesmo após a conclusão da troca da dívida. Segundo eles, mesmo se a operação for um sucesso, a dívida do país permanecerá excessivamente elevada, em mais de US$ 130 bilhões (atualmente é de US$ 181 bilhões).

Para complicar, nos próximos anos, além de pagar a dívida que não está em estado de calote - como os vencimentos com os organismos financeiros internacionais -, o país precisará ter crescimento econômico substancial para obter superávit fiscal que lhe permita pagar os juros da nova dívida.

O economista Claudio Loser, ex-diretor do FMI para o Hemisfério Ocidental, prevê tensão para as próximas semanas no país, que estará como numa montanha-russa. Sua recomendação para os altos e baixos até o fim de fevereiro é: "Segurem-se com firmeza".

Para o jornal Ámbito Financiero, as próximas semanas se assemelham à Guerra das Malvinas (1982). O jornal criticou o calote da dívida e a proposta de reestruturação do ministro Lavagna. Porém, ainda comparando-a com a "disparatada" empreitada das Malvinas, que resultou em derrota para a Argentina, disse que, uma vez iniciada a operação, é preciso que nenhum cidadão deixe de apoiá-la. "Simplesmente porque ganhamos ou perdemos todos."

Já o jornal britânico Financial Times afirmou que a proposta argentina é "ridícula". Para o FT, a proposta é "muito mais mesquinha que as que foram oferecidas pelo Paquistão, Rússia, Equador e Uruguai em reestruturações similares".