Título: Para especialista, projeto vai criar o neocorporativismo
Autor: Gabriel Manzano Filho
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2005, Nacional, p. A10

Durante os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso, a paulistana Maria Helena Guimarães de Castro foi, no Ministério da Educação, uma espécie de faz-tudo do ministro Paulo Renato. Passou pela Secretaria do Ensino Superior, foi secretária-executiva, presidiu o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, o Inep. Hoje, como secretária de Desenvolvimento e Promoção do governo Geraldo Alckmin, em São Paulo, ela mantém um pé nas questões educacionais, sua grande paixão. A seu ver, o anteprojeto do MEC vai inaugurar "um neocorporativismo" - com corporações e sindicatos participando de decisões administrativas, acadêmicas, elegendo reitor. Mais do que garantir vagas em cotas, adverte ainda, é preciso universalizar o ensino médio - essa seria a melhor política afirmativa no Brasil. Até porque, lembra Maria Helena, só quem termina o ensino médio é que pode candidatar-se a uma faculdade. O que a sra. acha do anteprojeto apresentado pelo MEC?

Acho um grande equívoco. Ele indica, de novo, que o governo federal não tem prioridade na área da educação. Porque a grande prioridade nacional é a melhoria da qualidade na educação básica. Esta não se faz a curto prazo, não tem visibilidade política, mas é o que o País precisa. Sem ela vamos perder o bonde da história.

A autonomia universitária está bem colocada no documento?

O princípio da autonomia é importante, está na Constituição. Mas autonomia se faz com garantia de autonomia financeira, didático-pedagógica, acadêmica, institucional, com avaliação externa, cobrança de resultados. No texto não há cobrança de qualidade, e é isso que me preocupa. E no princípio da autonomia, como um todo, acredito que há uma ingerência indevida, porque alguns itens estabelecem um tipo de controle externo que, em alguma medida, fere o princípio de autonomia estabelecido na Constituição. Por exemplo, a idéia de que o reitor vai ser eleito pelo voto direto. É uma ingerência indevida na escolha.

A questão do financiamento está bem resolvida?

Esse é um enorme ponto de interrogação no projeto: não sei de onde vai sair tanto dinheiro. Vão garantir 75% dos recursos do MEC para as federais. Dizem ainda que o governo vai aportar mais 5,5 bilhões de reais para o Fundeb. E terão de arranjar recursos para pagar os inativos por fora desses 75% dos recursos do MEC. Vai dar uma guerra monumental. E se tirarem os inativos da conta da Educação, depois vão ter de tirar os inativos da conta da Saúde... Vai acabar a Lei de Responsabilidade Fiscal? Acredito que a área econômica não vai entrar nessa aventura. É irrealista.

O setor privado se considera prejudicado no projeto. É uma queixa procedente?

No caso do setor privado, cabe ao MEC um papel importante na autorização e na avaliação da qualidade. Mas a abertura de novos cursos fica condicionada à necessidade social. Quem define se há necessidade social? Pelo projeto, serão as corporações profissionais. Ou seja, estaremos inaugurando, com o projeto do MEC, um neocorporativismo, que o Brasil está inventando para definir o que é demanda social.

É uma boa idéia garantir as verbas, e aumentá-las, para as instituições federais?

Do modo como estão propondo, não vão, aparentemente, corrigir as desigualdades existentes entre as federais. Em 2002, organizei uma publicação do MEC sobre o orçamento per capita e os dados de cada universidade federal. A pesquisa revelou uma enorme desigualdade. Ao lado de instituições sérias como as federais do Rio e de Minas Gerais, há outras medíocres, cuja produção acadêmica ninguém conhece. Pelo projeto, vão garantir o orçamento global de cada uma e, portanto, perenizar uma enorme distorção. Quem será penalizado? As melhores.