Título: Rondônia faz maquiagem de R$ 500 mil em ferrovia
Autor: Eduardo Nunomura
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2005, Nacional, p. A13

"A solução da Madeira-Mamoré é (a minissérie) Mad Maria, acabou. Ou é isso ou não tem mais jeito. A estrada de ferro está hoje na UTI", declara o secretário de Cultura, Esportes e Lazer Luiz Carlos Venceslau. Acreditando piamente nisso, o governo de Rondônia investiu R$ 500 mil só para garantir condições mínimas de locação para as equipes da TV Globo. Recuperou locomotiva, vagões, trilhos, máquinas, assentou estradas, abriu espaço na floresta amazônica, proporcionou proteção e privacidade a atores e diretores. Agora quer colher os frutos desse mimo aos profissionais da emissora.

Rondônia antes e depois da minissérie Mad Maria serão dois Estados completamente diferentes. É o que promete o governo estadual.

Com empresas e fundações, angariou outros R$ 500 mil para bancar os custos da ajuda à Globo. Na quinta-feira, a menos de uma semana do início da minissérie, que estréia na terça-feira, o governador Ivo Cassol (PSDB) anunciou um convênio com o governo federal de R$ 570 mil para restaurar dois trechos da ferrovia. De Porto Velho a Santo Antônio (8 quilômetros de trilhos) e de Guajará-Mirim a Iata (28 quilômetros).

Em Rondônia, a Rede Globo gravou em duas cidades: Porto Velho e Abunã.

É nesta última, 215 quilômetros a oeste da capital, que reside a última polêmica envolvendo a ferrovia. Para colocar uma locomotiva, a Baldwin número 20, e uma litorina nos trilhos, foi necessário cortá-los.

Dormentes apodrecidos foram retirados e colocados novos, ainda que sem precisão, para simular a construção da estrada de ferro. Com o fim das gravações, nada foi consertado.

Pelo acordo feito com o governo federal - ainda o responsável pela ferrovia -, a emissora tem até o dia 30 para devolver tudo em ordem.

Mas o representante da Secretaria do Patrimônio da União, Antonio Roberto dos Santos Ferreira, acredita que o prazo deve ser prorrogado por causa do período chuvoso. "Se fizer uma retrospectiva, os danos desde que ela foi fechada são muito maiores", disse Ferreira na quarta-feira, quando inspecionou os locais das gravações. "Seria um problema grave se o dano fosse irreversível, o que não foi o caso." Os cenários da minissérie foram desmontados e não poderão servir de pontos turísticos.

O rebuliço causado pela passagem da Rede Globo foi tão grande que até o destino da locomotiva 20 virou motivo de briga. Restaurada e renumerada para 5, a maria-fumaça está em Santo Antonio, próxima a um cemitério de máquinas abandonadas na capital. Mas quem a reivindica é cidade de Guajará-Mirim, de onde partiu para as gravações.

Ivo Cassol, que assinou documento se comprometendo a devolvê-la, agora informa que a locomotiva só volta quando houver condições de tráfego no fim da ferrovia.

RESTAURAÇÃO

"A Rede Globo deixou um rastro de destruição, mas tomara que eles nos ajudem e também ao governo de Rondônia a refazer essa estrada", diz o arquiteto Luiz Leite de Oliveira, da Associação Amigos da Madeira-Mamoré. A entidade é hoje a mais ferrenha defensora da preservação e do restauro da ferrovia. Seus membros, muitos ex-ferroviários, não se conformam com o abandono e a falta de ação para manter o patrimônio público. Por isso acreditavam que, com a Globo, teriam condições de levantar a bandeira da restauração. Não conseguiram.

Na oficina da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, em Porto Velho, máquinas e guindastes apodrecidos dividem o espaço com tornos, engrenagens, grelhas, feixes de molas, rodados, burrinhos de puxar água e tampas de fornalhas todos enferrujados. São peças dos séculos 19 e 20. O próprio galpão é um conjunto de alumínio retorcido, com o teto dilapidado, e onde o mato propicia esconderijo para drogados.

No fim dos anos 70, surgiu a associação de amigos da ferrovia. Conseguiu feitos importantes desde então, como besuntar com muita graxa o girador de locomotivas que foi aterrado durante quase uma década para virar campo de futebol para soldados. Há dois anos, voltou a ser exibido ao público. "Não podíamos fazer aqui uma escola, com convênio, para formar maquinistas e mecânicos? Em vez, iam deixar construir um shopping aqui", afirma Maria Auxiliadora Lobo de Souza, de 69 anos, ex-datilógrafa, escriturária e agente administrativa da Madeira-Mamoré entre 1953 e 1983.

TURISMO

O atual secretário Luiz Carlos Venceslau vê, com a minissérie, a oportunidade para promover o turismo no Estado. Garante que se o presidente Lula tivesse destinado só US$ 2 milhões dos US$ 56 milhões gastos com o novo avião recuperaria a estrada de ferro em três trechos (nas regiões de Porto Velho, Abunã e Guajará-Mirim) e criaria um pólo turístico-gastronômico na área do porto marítimo-ferroviário na capital. "Transformaria no maior ponto turístico da Amazônia."

Planos mirabolantes para recuperar a Ferrovia Madeira-Mamoré sempre existiram. Nenhum foi capaz de recuperar coisa alguma.