Título: Manari (PE). O Haiti é aqui
Autor: Monica Bernardes
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2005, Vida &, p. A16

"O Haiti é aqui." Quando os versos cantados por Caetano Veloso na música Haiti - escrita no início da década de 90 por ele e o atual ministro da Cultura, Gilberto Gil - ecoavam em shows e rádios, a pequena Manari, emancipada em 1995, nem sequer existia no mapa oficial. Hoje, a cidade ocupa a última posição no ranking que mede o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no País, com taxa igual ao do país do Caribe (0,467), e foi citada na semana passada em relatório das Nações Unidas sobre os bolsões brasileiros de miséria. O Haiti ocupa a 150.ª posição entre 175 países analisados e convive com números preocupantes de analfabetismo, mortalidade infantil e outras mazelas. Localizada em Pernambuco, na área conhecida como Sertão do Moxotó, a 400 quilômetros do Recife, Manari tem cerca de 13,5 mil habitantes e muitos problemas. Estes já começam no acesso à cidade, restrito a uma perigosa estrada de barro, a PE-300.

Conforme pesquisa feita em 2004 pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância e a Adolescência (Unicef), cerca de 80% dos adultos da cidade são analfabetos e a renda média familiar não passa de R$ 70 por mês. Não há hospital, tratamento de água e esgoto, bancos nem órgãos de Justiça. As duas únicas escolas são de ensino fundamental. A escolaridade média é de 2,9 anos de estudo, ante 4,3 anos nas demais cidades do Nordeste. Do total de habitantes, só 162 têm emprego formal - 142 são funcionários públicos.

O município tem 2,9 mil domicílios registrados, divididos entre as zonas urbana e rural. Desses, só 12 têm água encanada. Outros 42 têm poço. O restante é abastecido por caminhões-pipa. Por não ter onde guardar a água fornecida, dezenas de famílias da zona rural a depositam em barreiros (buracos cavados no meio do barro na lavoura). É daí que sai a água para o consumo humano e animal.

Apenas 78 lares têm coleta de lixo e 744, banheiro ou sanitário. Mesmo assim, grande parte das construções se resume a um cubículo de tijolo e cimento no fundo das casas, sem nenhum tipo de sistema de esgotamento. Após o uso, urina e fezes são depositadas em buracos em torno do terreno.

Não há números oficiais sobre mortalidade infantil, mas, segundo o prefeito, Otaviano Martins (PHS), os índices são superiores a 15% e grande parte das crianças morre nos primeiros 12 meses de vida. Ele disse que está providenciando reforço no atendimento médico para amenizar o problema: "Comprei uma ambulância e contratei médicos para atender a população no posto feito pelo governo federal." O posto é, na realidade, uma sala de parto construída no ano passado. O prédio erguido na década de 90 para abrigar o hospital estava vazio até a semana passada, quando o prefeito decidiu transferir para lá a prefeitura, antes instalada numa pequena casa na rua principal. "Minha intenção é fazer este hospital funcionar. Mas, como o prédio estava vazio, instalei provisoriamente a sede da administração nele."

Sem nenhum tipo de economia formal para tributar, a renda da administração vem exclusivamente dos repasses constitucionais. Segundo o IBGE, o valor enviado a Manari pelo Fundo de Participação dos Municípios, em 2000, foi de R$ 1.722.926,00, o que dá receita mensal de R$ 143,5 mil. Cerca de 70% do dinheiro é consumido pela folha de pagamento.

A economia é baseada na agricultura de milho e feijão, mas a produção é precária por causa da seca. A única lavoura que se mantém viva é a da palma - planta forrageira que serve para alimentar caprinos e bovinos. A região é afetada pelo fenômeno da seca verde. "Na seca verde, a chuva é muito pouca. A forragem do solo fica verde, mas a água não é suficiente para que as lavouras se desenvolvam", explicou o agrônomo Silvio Duarte, da Universidade Federal Rural de Pernambuco.

Programas sociais do governo, como o Bolsa-Escola e o Bolsa-Família, são a única renda certa da maior parte das pessoas. De acordo com o Portal da Transparência (www.portaldatransparencia.gov.br), 1.785 famílias são beneficiadas por esses programas.