Título: Energético estende efeitos do álcool
Autor: Simone Iwasso
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2005, Vida &, p. A18

Eles aportaram no Brasil com uma propaganda agressiva, prometiam mais do que comprovavam, despertaram desconfiança, foram retirados do mercado até que, por fim, se ajustaram a uma regulamentação do governo. Isso foi há cerca de sete anos. Hoje, os energéticos já fazem parte da noite dos jovens, que acreditam que, ao ingeri-los com álcool, ficam "mais ligados" e "elétricos" - um efeito, para os médicos, até então meramente psicológico. No entanto, um estudo recém-concluído na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) dá indícios de que esses consumidores podem ter razão. A pesquisa foi feita por um grupo que há cerca de cinco anos se dedica a estudar os efeitos da ingestão de álcool com os chamados energéticos, bebidas com sabor doce que unem principalmente cafeína e taurina (veja reportagem abaixo). O resultado mostrou que, em animais de laboratório, a mistura reduziu os efeitos depressores do álcool na atividade locomotora. Em outras palavras, os camundongos que receberam energéticos com álcool permaneceram mais excitados, e por mais tempo, do que os que receberam apenas álcool.

Contudo, a coordenação motora dos dois grupos foi igualmente afetada. Ou seja, o grupo que ingeriu a mistura com energético sentiu menos sonolência e dificuldade de locomoção, mas ficou com a coordenação motora tão prejudicada quanto ficaria sem a mistura, apenas com o álcool.

Para eles, foi dada uma quantidade equivalente ao consumo de três latinhas de energéticos por uma pessoa de 70 quilos, uma média parecida com a relatada pelos jovens. Mas, por ser uma pesquisa feita apenas em animais e com uma mistura que ainda não foi suficientemente estudada pela ciência, não é possível dizer que em seres humanos os efeitos são exatamente os mesmos, enfatiza o professor de educação física e psicobiólogo Sionaldo Ferreira, autor do estudo, sob a orientação de Maria Lucia Oliveira Formigoni.

Pode-se, no entanto, ter indícios desse fato - o que, no caso, explicaria os relatos comuns entre consumidores, como o da promotora de eventos Rúbia Gouveia, de 19 anos. "Se você bebe álcool sem energético fica mole, sem concentração e perde a atenção", diz.

Para o comerciante Abdo Parakat, de 24 anos, que sai para dançar todas as semanas com a namorada, Rubia Rossi, estudante de Direito de 22 anos, o energético também altera o gosto da bebida. "Deixa o uísque mais saboroso e a pessoa mais ligada." Ele diz beber cinco latas para sete doses de uísque. Mesmo acostumados a tomar café, o casal afirma sentir o efeito da mistura.

ESTRATÉGIA E PÚBLICO

Relatos como esses, e a velocidade com que produtos como Red Bull, Flying Horse, Atomic e Flash Power, entre outros, se proliferaram nas danceterias e bares, foram conseguidos graças a propagandas que prometem "dar asas" e estratégias de divulgação em pontos freqüentados pelo público de classes A e B, que compra cada latinha por preços que vão de R$ 10 a R$ 15.

Desse modo, o mercado de bebidas energéticas deslanchou no Brasil após a adaptação às regras impostas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - depois de retirar do mercado alguns lotes, o órgão editou em 1998 uma regulamentação com as quantidades máximas permitidas de cada substância, além da padronização das embalagens, e criou uma classificação própria só para elas, a de "compostos líquidos prontos para consumo".

Os cerca de 40 produtos registrados na Anvisa movimentaram, no ano passado, R$ 118 milhões, segundo a consultoria A/C Nielsen. E os valores vêm crescendo: em 2001, foram R$ 61 milhões; em 2002, R$ 85 milhões; e em 2003, R$ 88 milhões. Números estimulantes principalmente para a pioneira, a marca Red Bull, que detém 62% das vendas.

Austríaca, a empresa se inspirou em um produto vendido na Índia, ganhou o mundo e sua marca é comercializada em 40 países, apesar de sofrer repressão por sua propaganda em outros, como a França. A estratégia foi buscar o público jovem, que freqüenta a noite, e associar o produto a esportes e moda, patrocinando festivais de música, eventos como a São Paulo Fashion Week e uma equipe de Fórmula 1.

ALERTA

No Brasil, os indícios apontados pela pesquisa da Unifesp dão um sinal de alerta num mundo que parece destinado a fazer dinheiro e movimentar os jovens.

A sensação de euforia, e a possível comprovação desse fato, podem fazer com que os jovens aumentem as quantidades de álcool ingeridas. E, depois disso, se sintam seguros para dirigir, por exemplo - o que eles não poderiam, por estarem com a coordenação motora afetada da mesma maneira. Nesse ponto pode estar o alerta para a moderação do consumo.

"É um fenômeno que existe e que gera preocupações nos profissionais de saúde. Se as pessoas sentem esses efeitos, elas podem beber mais, e isso pode se tornar um problema a longo prazo por conta do aumento dos dependentes de álcool", diz Ferreira.

Na opinião do diretor do Grupo Interdisciplinar de Álcool e Drogas da Universidade de São Paulo (USP), Artur Guerra de Andrade, os jovens usam o gosto doce como desculpa para beber. "Quando eles apareceram, não se esperava que fossem misturados com álcool", diz. Para o psiquiatra Danilo Baltieri, também da USP, a onda dos energéticos é um problema. "Tem o aspecto da perspectiva, isto é, antes do consumo, e o farmacológico, o físico. O efeito da perspectiva é que o sujeito acha que vai beber e ficar bem. E associar duas substâncias soma os prejuízos."