Título: Na Bahia, o café de alta tecnologia
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/01/2005, Economia, p. B7

De pequeno distrito nas décadas de 80 e 90, a cidade de Luís Eduardo Magalhães, no oeste baiano, transformou-se na capital do agronegócio e fez da roça de café um campo de alta tecnologia. Desprezado por produtores locais, o solo - menos nobre do que em outras áreas tradicionais da cafeicultura brasileira - foi adotado por forasteiros de outras partes do País, como Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Paraná. "Há 25 anos ninguém queria essa terra nem de graça. Eu arrisquei e comprei a madeira e o arame para cercar a área, mais caro do que a própria terra", brinca Humberto Santa Cruz Filho, proprietário da Agronol, uma das maiores fazendas da cidade.

Empresário do ramo de construção civil no Rio de Janeiro, ele queria diversificar os negócios. Foi para o oeste da Bahia na década de 80, para plantar cana-de-açúcar num projeto do governo federal. Os planos não deram certo e a atividade agrícola mudou para o café e frutas.

Hoje, Santa Cruz tem 3 mil hectares de plantação, sendo 1.500 de café, distribuída em 15 pivôs. Por causa da terra fraca, as lavouras de Luís Eduardo Magalhães precisam de alta tecnologia. As mudas são plantadas nos chamados pivôs centrais - círculos de 100 hectares cada - para facilitar a irrigação, toda automatizada.

Apesar da terra menos nobre, mais arenosa, o clima é altamente favorável ao desenvolvimento da cultura do café irrigado de alta qualidade. A temperatura média fica entre 19 e 23 ºC durante todo o ano. Além disso, ao contrário do sul do País, as chuvas raramente ocorrem na época de colheita. Outro ponto positivo é a topografia plana da região. Por isso, 90% da colheita é mecanizada. Mas, se por um lado, eleva a produtividade, as máquinas reduzem a mão-de-obra no campo.

Em Luís Eduardo Magalhães, a imagem dos trabalhadores colhendo e peneirando o café, tão presente na mente dos brasileiros, praticamente já faz parte do passado. É claro que eles ainda têm seu espaço, mas apenas para fazer o trabalho adicional, que a máquina não faz, ou em áreas com plantação nova. Cada colheitadeira substitui 80 pessoas no campo, afirma o diretor-executivo da Fundação de Apoio à Pesquisa e Desenvolvimento do Oeste Baiano (Fundação BA), Mário Josino Meirelles.

Praticamente todas as fazendas têm equipamentos para produção de café despolpado, com maior valor agregado no mercado internacional. Em enormes sistemas automatizados, o café cereja, maduro, é separado do verde e do preto. O processo é feito na água. O cereja servirá para a produção do café especial e é secado em máquinas, ao contrário dos demais grãos, que mantêm a tradição dos terreiros. Mas, como a produção é grande, os rastelos (tipo de rodo dentado usado no passado) foram substituídos por pequenos veículos que misturam o café.

A produtividade da região é a maior do Brasil, se não for a maior do mundo, afirma Meirelles. A produção por hectare é de 55 sacas, enquanto a média brasileira (conforme dados do Ministério da Agricultura) está em 17,47 sacas. Em compensação, o custo de produção por hectare, em torno de R$ 7,8 mil, é bem mais alto do que em outras localidades do País por causa da alta tecnologia. Mas, como o volume é maior, o custo por saca é menor (em torno de R$ 143,02), explica Wagner Ferreira dos Santos, gerente da fazenda Paraíso III - Johá, de propriedade do vice-prefeito da cidade, Jacob Lauck.

ALTA TECNOLOGIA

A lavoura de café da Fazenda Paraíso foi iniciada em 1996 com a plantação de 100 hectares. Hoje, já são 900 hectares, distribuídos em 9 pivôs centrais. A produtividade está em 50,5 sacas por hectare, mas chegou a 98,5, comenta Santos. Nascido no interior de São Paulo, ele chegou à cidade na década de 80, para trabalhar na produção de sementes.

A cidade, emancipada em março de 2000 e que recebeu o nome do deputado federal, Luís Eduardo Magalhães, morto em abril de 1998, é cosmopolita. A maioria da população nasceu em outros Estados do País ou mesmo em outros países, e foram atraídos pelos baixos preços das terras. Vários sotaques se misturam, como gaúcho, carioca, paulista e mineiro, em histórias bastante parecidas.

É o caso do mineiro José do Espírito Santo, de Formigas. Antigo produtor de café, ele deixou tudo para dar consultoria na região. É um dos profissionais mais respeitados da cidade, afirmam moradores de Luís Eduardo Magalhães. "Os negócios estavam ruins em Minas. Então resolvi apostar na tecnologia da região. Mas confesso que no início não acreditei muito, por causa do terreno arenoso." Segundo ele, a produção de café na cidade não dá margem a amadores, é coisa de profissional, de empresário.

A opinião é compartilhada pelo tradicional cafeicultor da região Sul Luiz Suplicy Hafers, que também tem plantação no oeste da Bahia. "Numa viagem para o Zimbábue, na África, percebi que café irrigado poderia dar bons retornos", afirma ele, ressaltando a qualidade do clima. Hoje, ele tem 200 hectares plantados na região e quer aumentar a produção.

Luís Eduardo Magalhães e Barreiras - cerca de 90 km de distância uma da outra - são as duas principais cidades da região na plantação de café. Juntas, têm mais de 8 mil hectares plantados. Segundo Meirelles, da Fundação BA, a região é a única do País a fazer pesquisa privada. Os estudos tecnológicos são feitos em campos experimentais da Associação de Agricultores e Irrigantes da Bahia. Além de ensaios de variedades, os principais problemas relacionados à produção estão sendo estudados nestes campos. A produção do Oeste da Bahia é de 700 mil sacas de café.