Título: FDA aprova genérico antiaids
Autor: Ligia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2005, Vida &, p. A12

A FDA, agência de controle de alimentos e medicamentos dos EUA, aprovou anteontem o primeiro coquetel genérico de terapia tripla contra a aids, abrindo caminho para que os dólares do contribuinte americano sejam usados na compra de remédios mais baratos para uso em países pobres. Considerando que as drogas fabricadas pela companhia aprovada, a Aspen Pharmacare da África do Sul, custam entre um terço e metade do que os medicamentos de marca, seria possível tratar duas ou três vezes mais pacientes.

"O objetivo dos EUA é custear o tratamento de 2 milhões de pacientes de países em desenvolvimento até 2008", diz o embaixador Randall L. Tobias, coordenador global americano para a aids. Sua pasta administra os US$ 15 bilhões prometidos pelo presidente Bush há dois anos para a luta contra a doença.

Os EUA doam até um terço do orçamento do Fundo Global de Luta contra a Aids, Tuberculose e Malária, que pode ser gasto com qualquer medicamento aprovado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A maior parte do restante do dinheiro vai para o Plano de Emergência para Assistência à Aids, que ajuda 13 países africanos, além de Haiti, Guiana e Vietnã, e só pode ser usado para drogas aprovadas pela FDA.

A Aspen, baseada na África do Sul, ainda não anunciou o preço de seus produtos, mas os similares indianos custam entre US$ 240 e US$ 360 por paciente por ano. As versões de marca ficam em cerca de US$ 660.

"Sempre quisemos as drogas de mais baixo custo, não importando de onde venham, contanto que sejam seguras e eficazes", afirmou Mark R. Dybul, um conselheiro médico de Tobias. A aprovação da FDA refere-se apenas à comercialização fora dos EUA - na prática, apenas em países pobres, já que os medicamentos são patenteados na Europa, no Japão e outros mercados ricos.

A agência aprovou a solicitação da Aspen duas semanas depois de ela ter sido concluída. A aprovação leva normalmente pelo menos seis meses e exige o pagamento de uma taxa de US$ 500 mil. O governo Bush disse em maio que aceleraria o processo e suspenderia a taxa.

A combinação aprovada consiste numa pílula com AZT e lamivudina e outra com nevirapina. O paciente toma as duas pílulas duas vezes por dia. A primeira equivale ao Combivir, da GlaxoSmithKline; e a outra, ao Viramune, da Boehringer-Ingelheim.

Uma pílula ideal reuniria as três drogas, como a fabricada pelas companhias indianas. Mas Dybul explicou que a nevirapina é a que tem mais probabilidade entre as três de causar efeitos colaterais. Portanto, seria uma vantagem o paciente poder abrir mão apenas da nevirapina e tomar uma droga substituta caso se tornasse disponível.

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No Brasil, o coordenador do Programa Nacional de DST-Aids, Pedro Chequer, acredita que a decisão dos Estados Unidos trará um impacto positivo no acesso a medicamentos em países beneficiados por programas internacionais. "Como o preço dos genéricos é mais baixo, será possível comprar uma quantia maior de remédios com os recursos disponíveis", disse. Uma mudança indiscutivelmente benéfica, mas que faz o Brasil pensar com maior ênfase na questão do acesso à matéria-prima para preparo de medicamentos antiaids, sejam eles protegidos ou não por patentes.

"A notícia reforça a necessidade de nos tornarmos auto-suficientes na produção da matéria-prima", diz Chequer. Isso vale para qualquer droga antiaids. O coordenador lembra o alerta recente feito pela OMS sobre o risco de escassez de matéria-prima para alguns medicamentos. "Por isso, é indispensável que tomemos todas as providências para produção nacional", completa. Segundo ele, laboratórios privados têm tecnologia para produção de drogas que já perderam a patente.

Desde que assumiu o cargo, em meados do ano passado, Chequer concentrou seus esforços para a formação de uma rede de laboratórios públicos, para que fosse possível também a produção de medicamentos protegidos por patentes. A produção da matéria-prima destas drogas, no entanto, ficariam sob responsabilidade de laboratórios nacionais privados. "Acreditamos que, depois da licença compulsória, levaria entre cinco a seis meses para iniciarmos a produção em larga escala." Segundo Chequer, as negociações para quebra de patentes continuam sendo realizadas.