Título: 'Solução está na periferia árabe'
Autor: Alexandre Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2005, Internacional, p. A17

O governo brasileiro decidiu fincar na Jordânia a sua base de operações para a libertação do engenheiro João José de Vasconcellos Júnior, funcionário da construtora Odebrecht seqüestrado no dia 19 no Iraque, por considerar que os contatos e as negociações não se darão em território iraquiano. Segundo o assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, o governo está convencido que a solução deverá ser alcançada na "periferia do mundo árabe". "Amã é um lugar extremamente central no mundo árabe e também o local onde transitam vários desses grupos armados iraquianos", afirmou Garcia ao Estado. "A presença de representantes do Brasil em Bagdá não reforçaria a nossa estratégia porque nada é decidido lá", completou, ao justificar a razão pela qual o governo brasileiro não optou pelo envio de uma delegação ao Iraque.

Em princípio, caberá ao embaixador extraordinário do Brasil para o Oriente Médio, Affonso Celso de Ouro Preto, conduzir as negociações. De acordo com a assessoria de imprensa do Itamaraty, ele deveria desembarcar em Amã nesta madrugada. Seu principal apoio no local será o chefe do Núcleo Iraque da embaixada do Brasil na Jordânia.

Mas a conduta do governo no caso do seqüestro do brasileiro provocou reações de experientes diplomatas, que a consideraram "amadora" e "pouco profissional". Fontes do Itamaraty enumeraram ao Estado o que consideram cinco sérios erros cometidos desde o anúncio do ataque ao comboio que conduzia Vasconcellos em Beiji, no Iraque, e ressaltaram que a iniciativa do presidente Luíz Inácio Lula da Silva de pedir auxílio ao presidente da Síria, Bachar Assad, anteontem, comprometeu o governo sírio ao tachá-lo como aliado de grupos terroristas.

O primeiro equívoco apontado foi a hesitação da Embaixada do Brasil na Jordânia, onde há um núcleo especializado nas relações com o Iraque, em atender a uma solicitação da Odebrecht para que entrasse em contato com autoridades iraquianas, na semana passada. Essa atitude resultou em pouca interação entre a empresa e o Itamaraty, além de atitudes precipitadas, no início desta semana, por parte do Palácio do Planalto.

A decisão de Lula de tomar para si a condução do caso foi apontada como positiva. Entretanto, os diplomatas ouvidos pelo Estado afirmaram que um segundo erro foi a divulgação pública, pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, do contato entre Lula e Assad. O governo brasileiro deveria antes ter entrado em contato com os países que ocupam o Iraque - Estados Unidos e Inglaterra -, com os que passaram por dilemas semelhantes - como a França e a Itália - e com os do Oriente Médio. Este teria sido o terceiro erro.

O quarto erro foi o apelo público pouco convincente de Amorim, na última sexta-feira. Um dos diplomatas lembrou que quando duas italianas foram seqüestradas no Iraque, o apelo foi feito próprio pelo presidente da Itália Carlo Azelio Ciampi, em rede oficial de TV. As cenas tiveram repercussão mundial.

O quinto equívoco foi estabelecer a base das operações brasileiras em Amã. Para diplomatas experientes em questões do Oriente Médio, a melhor opção teria sido fincar a base em Bagdá, onde seria possível alcançar interlocutores do grupo que seqüestrou o engenheiro e iniciar uma negociação direta.

A embaixada americana em Brasília e o governo brasileiro estão em contato a respeito do engenheiro. De acordo com fonte diplomática, o embaixador dos EUA em Brasília teve conversas com o Itamaraty e o Planalto, nas quais recolheu as informações disponíveis sobre o caso e comunicou que Washington alertou as forças americanas e o governo provisório do Iraque sobre o seqüestro.

Segundo um alto funcionário, o fato de o governo brasileiro ter pedindo assistência de países como a Síria, que estão na lista negra do governo Bush, para obter a libertação de Vasconcellos não cria dificuldades entre Washington e Brasília. "Entendemos o lado humanitário dessas coisas", disse. "São situações muito complicadas e nas quais costuma ser muito difícil fazer progressos". De acordo com a fonte, os EUA, que tem no momento pelo menos um de seus cidadãos sob seqüestro no Iraque, "não estão em posição para ajudar muito" na resolução da situação de Vasconcellos.

Os EUA têm uma política estreita de não negociar com terroristas, mas isso não exclui gestões com terceiras partes que podem de alguma forma contribuir para um desfecho positivo.