Título: Proposta de Lula ganha apoio francês
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2005, Economia, p. B1

O presidente da França, Jacques Chirac, propôs ontem, em teleconferência numa sessão plenária do Fórum Econômico Mundial, uma taxação sobre as transações financeiras internacionais para o combate à aids. O mecanismo é, na essência, o mesmo já sugerido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para combater a fome e a miséria. Lula vai reforçar sua proposta amanhã, também em sessão plenária em Davos. Chirac afirmou que a taxa sobre transações internacionais poderia arrecadar US$ 10 bilhões por ano, volume que considera necessário para financiar a pesquisa de uma vacina contra a aids, desenvolver campanhas de prevenção e ampliar o atendimento médico, elevando de 450 mil para 3 milhões o número de doentes em tratamento no mundo.

Ele frisou que a sua proposta não seria uma 'taxa Tobin' (antiga proposta de um Prêmio Nobel de Economia), já que seria implementada sem prejudicar o funcionamento normal dos mercados. Para isso, ela seria extremamente baixa, de no máximo 1 sobre 10 mil; seria aplicada apenas a uma fração das transações internacionais, que hoje somam US$ 3 trilhões por dia; e seria realizada com cooperação das grandes praças financeiras mundiais, para evitar a evasão.

Chirac fez várias sugestões para promover um grande aumento no financiamento ao desenvolvimento social no mundo. Ele mencionou a "facilidade financeira internacional", proposta britânica para levantar grandes volumes de recursos para aquele objetivo no mercado internacional. E lançou a proposta, também considerada pelo Reino Unido, de usar um mecanismo semelhante para combater a aids e salvar 3 milhões de vidas por ano.

Outra sugestão alternativa do presidente francês para o combate à aids foi a de que países com sigilo bancário - referência aos paraísos fiscais - taxem o fluxo de capitais que entram e saem. E, finalmente, Chirac levantou a hipótese de uma contribuição sobre o combustível utilizado pelos transportes aéreo e marítimo.

O discurso de Chirac em prol da intensificação no combate à pobreza teve toques dramáticos, e foi enfático na cobrança de uma globalização mais ética e humana: "Abandonadas a si mesmas, as forças econômicas tornam-se cegas e acentuam a marginalização dos mais vulneráveis".

Para o presidente francês, "o fosso entre ricos e pobres têm aumentado em proporções vertiginosas". Segundo ele, a diferença de renda per capita entre os países menos avançados e os da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, que reúne basicamente as nações ricas), que era de 1 para 30, em 1980, atinge 1 para 80 hoje.

Os mecanismos de ampliação dos recursos internacionais de ajuda, propostos por Chirac, parecem alinhados com idéias que Lula vem defendendo. O presidente francês mencionou em seu discurso a iniciativa conjunta de França, Brasil, Chile e Espanha, lançada em janeiro de 2004, de desenvolver mecanismos para levantar recursos de combate à pobreza. E lembrou que, em 20 de setembro de 2004, em Nova York, mais de 110 países apoiaram a iniciativa. Chirac também citou o Brasil, junto com o Senegal, como exemplos de países em desenvolvimento no qual o tratamento anti-retroviral universal para os infectados pelo HIV "é exequível e eficaz em termos de saúde pública".

No leque de propostas para aumentar o combate à pobreza e a aids, o presidente da França cobrou empenho dos países ricos para chegar a 0,7% do PIB em ajuda internacional, ressaltando que França e Reino Unido já o atingem.

O texto integral do discurso de Chirac foi distribuído à imprensa em Davos logo após o seu final, em francês, inglês e português, língua raramente utilizada em eventos globalizados.