Título: Alta do juro nos EUA é a nova ameaça
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2005, Economia, p. B4

Os juros vão continuar em alta nos Estados Unidos, e segundo a previsão otimista o Brasil e outros emergentes agüentarão o tranco sem grandes danos. Pela avaliação pessimista, os emergentes serão todos vulneráveis à elevação de juros. O custo do dinheiro continuará a subir por causa dos desarranjos na economia americana. É o remédio que sobra, porque o dólar em queda não resolve o problema e o governo do presidente George W. Bush não se dispõe a diminuir o rombo orçamentário. Mas nem esse remédio será usado de forma irrestrita, porque o setor privado americano, muito endividado, não suportará o dinheiro muito caro, segundo o economista Martin Wolf, principal comentarista econômico do jornal londrino Financial Times e coordenador, há vários anos, do painel sobre conjuntura que abre a reunião do Fórum Econômico Mundial. Os emergentes só serão afetados se aumentarem os juros de longo prazo, mas isso por enquanto não está ocorrendo, disse Jacob Frenkel, ex-presidente do Banco Central de Israel e hoje vice-presidente do American International Group, um gigante do setor de seguros. Isso se deve, segundo ele, à credibilidade do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos. O Fed eleva os juros de curto prazo, o mercado entende que isso conterá a inflação e as taxas de longo prazo não sobem.

Enquanto esse quadro continuar, os emergentes não terão grandes problemas.

Além disso, argumentou Frenkel, mudou amplamente a situação das economias que enfrentaram crises nos anos 90. Brasil, Rússia, México e Turquia foram capazes de recuperar-se e de adotar políticas corretas muito mais velozmente do que se imaginava, acrescentou, e o mercado tem hoje mais discernimento para perceber e avaliar a mudança. Quem poderia acreditar, acrescentou, que a América Latina pudesse recuperar-se antes que a Argentina saísse da crise e a Ásia voltasse a crescer antes da retomada no Japão? Há uma "chance razoável" de que o Brasil atravesse a fase de juros mais altos sem maiores problemas, disse Martin Wolf depois do debate. O País, segundo ele, é vulnerável às oscilações de confiança do mercado financeiro, mas o governo tem feito um "trabalho maravilhoso" na política econômica, acrescentou. A segurança, portanto, depende em grande parte da manutenção do rumo.

O Fed, no entanto, elevará os juros com certa parcimônia, segundo a avaliação de Wolf. A taxa básica, atualmente em 2,25%, poderá subir até 3,5% ou 4% até o meio do ano, mas tenderá a recuar, se o estrago na economia real for muito grande. O setor privado americano - de modo especial os consumidores - está muito endividado e não suportará juros muito altos.

Laura Tyson, conselheira econômica da Casa Branca na presidência de Bill Clinton e hoje diretora da Escola de Economia de Londres, também admite que haja mais discernimento no mercado, hoje, do que até recentemente. O Brasil, segundo ela, tem ido "razoavelmente bem" na política econômica, e isso deverá ser levado em conta.

INGENUIDADE

A análise mais pessimista, como de costume, foi a de Stephen Roach, economista-chefe do banco de investimentos Morgan Stanley. Até agora, o peso do ajuste da economia americana caiu sobre o câmbio. O dólar desvalorizou-se e continua frágil, mas a pressão a partir de agora será sobre os juros. Não será possível, segundo Roach, corrigir o déficit externo dos Estados Unidos (acima de US$ 600 bilhões) só com o câmbio. Será preciso cortar a demanda sustentada pelo excesso de gastos do governo e pelo endividamento dos consumidores. A saída será aumentar os juros básicos, hoje inferiores à inflação. Os emergentes serão vulneráveis a juros mais altos, segundo Roach.

Seria ingenuidade, observou o economista, imaginar que Brasil, México ou qualquer outro país desse grupo seja imune a um aperto na política monetária dos Estados Unidos.

Não se espera que o governo de George W. Bush tome alguma iniciativa séria para conter o déficit público e corrigir os desequilíbrios da economia americana. Sobre isso concordaram todos os participantes do debate. Também concordaram em que o dólar continuará a ser um componente chave das reservas internacionais, apesar da desvalorização, uma tendência apontada há um ano, em Davos, num debate entre os mesmos economistas.

A economia mundial continuará a crescer em 2005, segundo a avaliação desses especialistas. A atividade continua intensa nos Estados Unidos, com elevado consumo das famílias, grandes gastos públicos e forte investimento das empresas. O Japão parece ter superado uma década de estagnação, a China permanece vigorosa e até a Europa dá sinais de um dinamismo pouco maior do que o dos últimos anos. O japonês Takatoshi Ito, professor da Universidade de Tóquio, apresentou um quadro otimista da economia asiática.

Até a alta do preço do petróleo, observou Frenkel, a economia mundial, mais flexível o que há alguns anos, foi capaz de absorver. A principal ameaça que sobra, além da instabilidade geopolítica, é mesmo o desajuste americano.