Título: Reforma do mercado de trabalho alemão não decola
Autor: Lucia Martins
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2005, Economia, p. B8

Quase um mês após liberar cerca de 6,4 bilhões para a última etapa da maior reforma do mercado de trabalho já feita na Alemanha, o governo social-democrata do chanceler Gerard Schr¿der continua sem êxito. A nova lei, chamada Hartz IV, entrou em vigor em 1.º de janeiro e criou os chamados empregos de 1, para resolver o problema de 2,7 milhões dos 4,4 milhões desempregados. O governo entra com parte do dinheiro e empresários e repartições públicas ganham mão-de-obra barata. O dinheiro está disponível, mas as vagas não apareceram. "Já fui à agência de trabalho três vezes, mas eles sempre dizem que vagas de 1 ainda não existem", diz o motorista de caminhão Roland Klautke, 46 anos, sem emprego fixo há dois anos. Ele mora em Berlim, que tem uma das maiores taxas de desemprego da Alemanha - cerca de 18,2% dos berlinenses (a taxa do país é de 10,5%). O mesmo aconteceu com Martin Müller, de 56 anos. "São trabalhos manuais e não oferecem desafio, mas fiquei animado. Após três anos sem trabalho, quero voltar à vida ativa."

A reforma começou em 2002, com propostas do ex-chefe de Recursos Humanos da Volkswagen Peter Hartz, que resultou em quatro leis. Na última, a Hartz IV, o governo reduziu os benefícios dos desempregados de longo prazo. Quem está há mais de um ano sem emprego passou a receber 345 - antes, o benefício dependia da ocupação e do salário anteriores. Há ainda ajuda de moradia, para aquecimento e adicionais para quem tem filhos. As vagas de 1 foram criadas para esses desempregados. Se aceitarem o trabalho, continuarão recebendo parte do seguro-desemprego. Se não, podem ter o benefício cortado.

O ministro da Economia, Wolfgang Clement, prometeu a criação imediata de 600 mil vagas de 1 e afirmou que quem aceitar pode ter renda mensal entre 800 e 1 mil. "Temos total confiança em nossa reforma. Vamos assistir em breve a uma queda no número de desempregados", disse ele, semana passada, ao jornal Die Welt.

Inicialmente, o governo oferecerá vagas de 1 em organizações públicas, como hospitais, creches, jardins de infância e serviço de limpeza de ruas. Mas, segundo as agências de trabalho, a abertura dessas vagas não foi organizada. Brigite Glos, da agência de trabalho do leste de Berlim, admite que o programa não está funcionando. O problema, diz ela, é a necessidade de melhor integração entre as repartições públicas e as 180 agências de trabalho do país.

Na iniciativa privada, o programa não será aplicado inicialmente. Há discussões no governo se ele deve ou não ser estendido para as empresas. E há grande oposição dos empregadores. A BDA (a associação nacional de empregadores do país) já se manifestou contra a Hartz IV. Em comunicado, o presidente da BDA, Dieter Hundt, afirmou que, se as empresas forem forçadas (por enquanto, a participação é facultativa), o resultado pode ser perigoso.

AMEAÇA AO TRABALHADOR

"As vagas de 1 podem acabar substituindo outras que pagam mais. Essas vagas não são a solução e são uma ameaça ao próprio trabalhador", disse Hundt. "Essa é uma reforma de maquiagem. Temos de achar soluções reais para pessoas que não conseguem se encaixar no mercado, porque são, na verdade, desqualificadas." De fato, quase metade dos desempregados de longo prazo é considerada mão-de-obra desqualificada. Os demais são pessoas que ficaram desempregadas após os 50 anos de idade, segundo pesquisa da Fundação Bertelmann.

O pesquisador Michael Fertig, do Instituto de Pesquisas Econômicas de Essen, é outro crítico do programa. "O governo trabalha com um conceito falso. Ele acha que essas vagas podem funcionar como porta de entrada dessas pessoas no mercado. Não é verdade. Pesquisas mostraram que, se elas foram excluídas por algum motivo, como falta de qualificação, elas vão continuar fora do mercado." Para ele, é irreal a meta do governo de criar 600 mil vagas e assegurar renda de 800 a 1 mil. "Não há como prometer isso." Fertig afirma ainda que a reforma é na verdade uma tentativa de "maquiar" as estatísticas do desemprego, o maior da Europa na maior economia européia.

Enquanto isso, os organizadores das Manifestações de Segunda-Feira, que fazem protestos todas as segundas em Berlin, Munique, Leipzig, Hamburgo, Nuremberg e Colônia, preparam-se para reforçar as demonstrações contra as reformas do governo. "Já está ficando claro que esses novos empregos são uma farsa. Não conheço ninguém que tenha conseguido um", diz Hans-Andreas Schoenfeld, um dos organizadores do movimento.

Arquivista, 45 anos, Schoenfeld está desempregado há um ano e meio e diz que teve seus benefícios cortados este mês. "Como minha mulher trabalha, eles consideraram que não tenho mais direito. E não sirvo para um trabalho de 1, porque, como eles disseram, sou superqualificado. Vou ter de ficar desempregado e, com a nova lei, sem dinheiro."

Mas nem todos criticam. Para a ex-secretária Gisela Eff, 61, a reforma tem aspectos positivos. "O problema é que, embora muita gente realmente não consiga trabalho, há também pessoas que não querem trabalhar", diz ela, que recebe seguro-desemprego há sete anos. "Não acho pouco 345 mais aluguel e aquecimento. Acho que não posso reclamar."