Título: Vasp perde o direito de voar
Autor: Alberto Komatsu
Fonte: O Estado de São Paulo, 27/01/2005, Economia, p. B14

A partir de hoje a Vasp está no chão. A empresa foi proibida de realizar qualquer vôo regular de passageiros. Ontem, o Departamento de Aviação Civil (DAC) cassou as últimas oito rotas que a empresa vinha operando e que tinha autorização. O órgão constatou, por meio de auditoria, que a companhia não tem condições financeiras nem operacionais de manter essas linhas. A punição do DAC, no entanto, não significa que ela perdeu a concessão de transporte aéreo, afirmou seu diretor-geral, major-brigadeiro Jorge Godinho. "A Vasp não está perdendo a sua concessão como uma empresa que pode fazer vôos regulares. Ela está perdendo neste momento as concessões para que ela possa explorar essas ligações que ela solicitou", enfatizou Godinho. Segundo ele, a companhia pode, a partir de hoje, solicitar ao DAC a permissão para se tornar uma empresa de vôos fretados (charter). Além disso, também pode solicitar novas rotas, mas teria de passar por nova análise que verificaria se ela tem condições de cumprir com o que pediu.

"Mediante inspeção realizada nessa empresa foi constado, no período de 20 a 26 de janeiro corrente, que dos 56 vôos autorizados apenas oito foram concluídos e outros 13 foram apenas parcialmente realizados, causando sérios transtornos aos usuários. Tal como configurada atualmente, a Vasp não possui condições de realizar operações regulares", informa o ofício que foi encaminhado ontem mesmo ao presidente e dono da Vasp, Wagner Canhedo.

Gol, Varig e TAM, acrescentou Godinho, podem a partir de hoje solicitar ao DAC a autorização para operar as rotas que foram retiradas da Vasp. São elas, incluindo ida e volta: Rio-Salvador-Natal-Fortaleza, Fortaleza-Teresina-São Luís-Belém-Manaus, Brasília-Salvador-Aracaju-Recife e São Paulo-Salvador-Maceió-Recife-Fortaleza. A Vasp tem até abril, quando vence sua concessão, para provar que pode continuar sendo uma empresa de transporte aéreo regular de passageiros.

Mas a empresa não tem Certidão Negativa de Débito (CND) com órgãos públicos, como o INSS, cuja dívida estima-se estar próxima a R$ 1 bilhão. No total, o endividamento da Vasp chega a R$ 2,1 bilhões. Só com a Infraero o débito chega a R$ 130 milhões.

A maior dificuldade da empresa, avaliou Godinho, é a falta de fluxo de caixa para poder manter operações básicas do dia-a-dia, como a compra de combustíveis. "A empresa não tem hoje o aporte de recursos para fazer jus àquilo que seus credores estão exigindo, como pagamento em dinheiro das suas tarifas, combustível, etc", disse Godinho. Tanto a Shell quanto a BR Distribuidora, principais fornecedoras de querosene de aviaçao da companhia, já haviam informado que a compra de combustível, que tem de ser quitada antecipadamente, estavam num volume muito baixo.

Os passageiros da Vasp com passagens compradas, disse o diretor do DAC, podem tentar endossar os bilhetes em outras companhias, mas elas não são obrigadas a aceitá-los. Por problemas de inadimplência, a empresa saiu em outubro do ano passado da câmara de compensação do setor, que mensalmente faz um acerto de contas entre as empresas que tranportaram clientes das concorrentes. A Vasp tem informado que reembolsa o valor do bilhete em 30 dias. Outra alternativa é buscar a Justiça, o DAC ou os órgãos de defesa do consumidor.

Na segunda-feira, o órgão regulador da aviação civil havia expedido um auto de infração à empresa comunicando que a continuidade dos cancelamentos por baixa ocupação implicaria nas suspensões das respectivas rotas. Desde o fim de semana, a Vasp vinha suspendendo mais intensamente seus vôos. Uma das alternativas levantadas pelo ministro da Defesa José Alencar era justamente a de que a Vasp fosse transformada numa empresa de vôos charter.

Há no DAC um plano de contingência que avalia o impacto de rotas que deixam de ser atendidas. Esse estudo, disse Godinho, foi posto em prática no caso da Vasp, já que ela deixa de operar vôos regulares.

Segundo ele, as cidades que deixarão de ser atendidas pela Vasp não ficarão desassistidas. A Vasp foi procurada por volta das 21h45 de ontem, após o encerramento da entrevista do DAC, mas até o fechamento desta edição a assessoria de imprensa não foi encontrada.

GREVE

Ontem à tarde, antes do anúncio da cassação das rotas, os funcionários da Vasp haviam decidido, em assembléia, entrar em greve a partir de zero hora de hoje. Segundo os empregados, o último receio que impedia a paralisação - o medo de serem responsabilizados pelo fim da empresa, já não existia mais. "Os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sabem o que está acontecendo com a empresa e falar que ela quebrou por nossa culpa é leviandade", disse a presidente do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Graziella Baggio. A cassação do direito da empresa de voar atropelou até a greve dos empregados.