Título: Os gastos e a indexação
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Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2005, Editorial, p. A3

O novo aumento de juros anunciado pelo Banco Central (BC) custará ao Tesouro, isto é, ao contribuinte, uma despesa adicional de uns R$ 2 bilhões, neste ano, se a nova taxa básica for mantida durante esse período. A dívida pública federal cresceu R$ 80,54 bilhões no ano passado e os juros altos foram uma das causas principais. Mesmo que a economia brasileira, como se espera, continue a expandir-se neste ano, o resultado será inferior, certamente, ao que se poderia obter com juros mais baixos. Comentários como este se repetem a cada elevação dos juros e são corretos, mas não tocam as questões essenciais: a inflação, suas causas mais importantes e as formas alternativas de combater a alta de preços. Não há como negar que a inflação brasileira, acima de 7% no ano passado, é muito alta pelos padrões internacionais. Maior tolerância à inflação seria uma resposta inaceitável. O problema, portanto, é encontrar armas mais eficientes para combater a inflação, e com menos efeitos colaterais negativos, do que a simples alta de juros. E para isso é preciso, em primeiro lugar, identificar com precisão as causas da elevação dos preços. Vale a pena concentrar a atenção em dois pontos: o crescimento do gasto público e a desastrosa indexação dos preços administrados, especialmente das tarifas de serviços. O gasto público federal aumentou no ano passado cerca de 10%, praticamente o dobro do crescimento econômico. Não pode haver um efetivo ajuste fiscal quando as despesas de governo crescem mais velozmente que a produção. Esse descompasso tem sido possibilitado, no Brasil, pela expansão da carga tributária. Impostos mais altos inibem tanto o consumo quanto o investimento produtivo, empobrecendo as famílias e desviando capital das empresas. A primeira parte da ação antiinflacionária, portanto, consiste em passar a limpo o orçamento público. É possível, mesmo com as muitas vinculações, cortar gastos improdutivos. Com receita real 10,6% maior que a de 2003, o governo federal poderia ter aumentado o superávit primário, isto é, o resultado fiscal antes do pagamento de juros. Isso elevaria o crédito público e facilitaria a redução de juros, com resultados positivos para o Tesouro e para o setor privado. A segunda parte da ação é rever a indexação dos preços administrados. Vincular a correção de tarifas à variação do Índice Geral de Preços (IGP) foi um erro grave. O IGP é formado por três componentes, um Índice de Preços por Atacado, com peso de 60%, um Índice de Preços ao Consumidor, com peso de 30%, e um Índice Nacional do Custo da Construção, com participação de 10%. Isso quer dizer que os consumidores brasileiros podem ter de pagar mais pelos serviços de telecomunicações ou pela energia elétrica porque a cotação da soja subiu muito no mercado internacional ou porque a demanda chinesa pressionou fortemente os preços do aço. É claro que os preços por atacado podem também diminuir, num período qualquer, e o efeito seria o oposto. Mas o importante é que, em qualquer caso, as tarifas seriam em grande parte determinadas por variáveis que não têm relação direta ou sequer próxima com os custos das empresas concessionárias. Os preços administrados pesam 29% na formação do Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), usado como referência para a meta de inflação. Com o aumento do IGP no ano passado, só os preços administrados já garantem uma inflação superior a 3% em 2005. Aumento de juros não contém esses aumentos, dizem os críticos da política do Banco Central. Isso é verdade, mas não se deve imaginar que a autoridade monetária ignore esse detalhe. Seu objetivo, ao elevar os juros, é apenas impedir a contaminação de outros preços pelo aumento das tarifas. Pode haver muita discussão sobre a política do BC e sobre a exatidão de suas projeções. Mas nenhum argumento contra essa política elimina o fato de que a inflação, no Brasil, é em grande parte determinada por uma indexação mal concebida. Não é fácil encontrar uma alternativa satisfatória e, além disso, o governo não pode simplesmente anular ou mudar arbitrariamente os contratos de concessão. Mas pode estudar e propor uma renegociação. Se tiver bons argumentos e uma proposta sensata, com certeza convencerá as empresas concessionárias a aceitar a mudança. Tem poderes para fazê-lo sem cometer uma arbitrariedade.