Título: Carga mais pesada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2005, Editorial, p. A3

O Fisco tenta explicar o aumento da arrecadação federal em 2004 como mera conseqüência do crescimento econômico e "da eficiência da máquina arrecadadora", como afirmou, na quarta-feira, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, ao anunciar os novos recordes da arrecadação de dezembro e do ano passado. Não resiste a uma análise fria o argumento do titular do Fisco de que, "para quem paga imposto corretamente, não houve aumento de carga, mas os sonegadores, eu garanto que estão pagando mais". A arrecadação federal do ano passado só atingiu R$ 322,5 bilhões porque houve elevação de tributos, aliás, perfeitamente discriminada no quadro incluído na publicação Análise da Arrecadação das Receitas Federais relativa a dezembro, que se encontra no site do Ministério da Fazenda. Por mais elogiável que seja a desoneração de inúmeros itens ou atividades, como bens de capital, produtos alimentícios in natura, IPI-automóveis e exclusão da base de cálculo do IRPF de R$ 100,00, a verdade é que a elevação de tributos superou o que se deixou de arrecadar com os estímulos tributários.

A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) foi a grande responsável pelo aumento da arrecadação, pois houve aumento da alíquota e da abrangência do tributo. Em valores nominais, a receita da Cofins aumentou R$ 17 bilhões entre 2003 e 2004, passando de R$ 59,5 bilhões para R$ 76,6 bilhões. Corrigida pela inflação oficial (IPCA), a Cofins mostrou elevação real de 20,6%. O montante foi recolhido ao Fisco por empresas formais, principalmente importadores, ocorrendo ainda elevação das retenções na fonte. Sem o aumento da Cofins, cuja alíquota passou de 3% para 7,6%, calcula-se que a elevação real da receita tributária, em 2004, teria sido de 7% e não de 10,62%, como se verificou.

Outro tributo que ajudou a engordar a receita foi a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Entre 2003 e 2004, a arrecadação nominal da CSLL aumentou R$ 2,8 bilhões, de R$ 16,7 bilhões para R$ 19,5 bilhões, com elevação real de 9,66%. Um dos responsáveis por esse crescimento foi o aumento, em setembro de 2003 (portanto, com impacto maior na arrecadação de 2004), da base de cálculo da CSLL, de 12% para 32%, incidente sobre a renda dos prestadores de serviços que optam pelo lucro presumido - que o governo decidiu elevar novamente, de 32% para 40%, em 2005.

Também as pessoas físicas pagaram mais tributos, dado o achatamento da Tabela do Imposto de Renda. A arrecadação nominal do IRPF na declaração aumentou R$ 1 bilhão entre 2003 e 2004, de R$ 5,1 bilhões para R$ 6,1 bilhões, com elevação real de 13,1%. E o IR na Fonte sobre os rendimentos do trabalho cresceu 11,7%, em termos reais.

Com a elevação real de contribuições, como a Cofins e a CSLL, acentuou-se, em 2004, a distorção representada pelo aumento do peso das receitas que não precisam ser partilhadas com Estados e municípios. O fenômeno não é novo, mas se agrava. Entre janeiro de 2000 e janeiro de 2003, a participação das contribuições nas receitas do Tesouro aumentou de 39,4% para 44,6%. Em outubro de 2004, segundo estimativas da Secretaria do Orçamento Federal, as contribuições já respondiam por 48% das receitas brutas do Tesouro, enquanto os impostos (como o IR e o IPI) declinavam para 41,5% dessas receitas.

Não há, até agora, estatísticas fechadas que embasem a hipótese de que ocorreu novo aumento da carga tributária como proporção do PIB em 2004. Os dados da Receita Federal, no entanto, justificam a suposição. O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, já estima que a participação da arrecadação federal no PIB aumentou 0,9 ponto porcentual.

Mais carga tributária significa restrição ao crescimento da economia, pois reduz a rentabilidade das empresas formais, estimula o repasse dos custos tributários para os preços e enfraquece o poder de compra dos consumidores. Ainda pior, como evidenciou estudo da consultoria Tendências, feito pelos economistas Fernando Montero e Fábio Giambiagi, os tributos recolhidos pelos contribuintes não estão servindo para reduzir o déficit público, mas para financiar o aumento real de despesas de custeio e capital da União, ou seja, a maior parte está sendo consumida.