Título: Incentivo a oprimidos: 'Quando se rebelarem, estaremos com vocês'
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2005, Internacional, p. A13

Numa mensagem que será lida de diferentes maneiras nas capitais do mundo e causará preocupação e alarme em muitas delas, o presidente George W. Bush reafirmou ontem a atual estratégia de Washington no Iraque e na guerra contra o terrorismo fazendo uma espécie de chamado mundial à sublevação popular contra regimes ditatoriais. "Todos os que vivem sob tiranias e na desesperança devem saber: os EUA não ignorarão sua opressão ou desculpará seus opressores", disse ele, durante o discurso que fez depois de tomar posse pela segunda vez, diante do Capitólio. "Quando vocês se levantarem por sua liberdade, estaremos com vocês." Considerada em tese, a afirmação de solidariedade com os oprimidos corresponde a um sentimento fortemente arraigado entre os americanos, que cultuam a liberdade política e econômica como uma religião cívica. De Thomas Jefferson a Jimmy Carter, Ronald Reagan a Bill Clinton, passando por Woodrow Wilson, poucos discordariam de Bush de que "há apenas uma força na história capaz de quebrar o reino do ódio e do ressentimento, expor as pretensões dos tiranos e recompensar as esperanças das pessoas decentes, e ela é a força da liberdade humana". "Mas, na prática, o que significa dizer a outros povos - em Cuba e na China, por exemplo - que nós estaremos com eles se eles se rebelarem contra suas ditaduras?", perguntou um perplexo David Gergen, ex-conselheiro de presidentes democratas e republicanos e professor da Universidade de Harvard. "Nenhum outro presidente americano jamais assumiu este nível de compromisso." Igualmente impressionada com a dimensão das promessas implícitas na fala de Bush, a historiadora Ellen Fitzpatrick, da Universidade de New Hampshire, sublinhou "a extraordinária ambição" da agenda internacional que o presidente enunciou. Antes mesmo do discurso, a Casa Branca e o próprio Bush já haviam sinalizado a intenção de expandir sua política de pressão contra os programas nucleares do Irã e da Coréia do Norte, que compunham o chamado "eixo do mal" de Bush, antes da invasão do Iraque, para incluir também Cuba, Mianmá e a Síria entre as tiranias que merecerão atenção especial de Washington nos próximos quatro anos. Um líder que revela uma suprema autoconfiança e que, aos 40 anos de idade, encontrou na ala fundamentalista da religião protestante a fonte de suas convicções políticas, Bush é um político que costuma dobrar suas apostas - o que parece mais em condições de fazer no segundo mandato, para o qual montou um gabinete de pessoas pessoalmente ligadas a ele e sem capacidade de vôo próprio.