Título: Furlan cria galinhas, diz argentino
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/01/2005, Economia, p. B5

"Um criador de galinhas." Para o presidente eleito da União Industrial Argentina (UIA), Héctor Méndez, esta é melhor definição para o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, Luiz Fernando Furlan, que no passado recente foi o presidente da Sadia. Com esta declaração, Méndez reagiu às críticas do ministro aos empresários argentinos e restabeleceu o clima de tensão entre os dois países na área comercial. Em entrevista ao Estado, na semana passada, Furlan acusou os industriais argentinos de não se modernizarem e de criarem obstáculos ao comércio dentro do Mercosul. O presidente eleito da UIA, em declarações à agência DyN, afirmou que era uma sorte que as críticas tivessem partido do ministro Furlan, e não do Itamaraty: "Ainda bem que só falou o homem que se dedica a produzir galinhas e não falou o diplomata". Na UIA, considera-se que a chancelaria brasileira tem uma atitude pró-Argentina, enquanto no Ministério de Desenvolvimento ocorreria uma postura mais crítica em relação ao irrequieto sócio comercial.

Os tempos de glória da UIA ficaram para trás. Atualmente, é uma decadente organização que, apesar do pouco peso na economia do país, ainda tem influência na mídia local, além de fortes vínculos com o presidente Néstor Kirchner. Nos últimos meses, os industriais convenceram Kirchner a aplicar uma série de medidas protecionistas contra a entrada de produtos made in Brazil.

O confronto entre Furlan e a UIA ocorre poucos dias antes da realização de uma nova reunião entre representantes dos dois governos para discutir a exigência argentina de aplicação de um sistema de mecanismos para compensar eventuais "desequilíbrios" ou "assimetrias" comerciais.

CARA DE CACHORRO

A reunião será realizada no Rio de Janeiro, no dia 25. A reunião anterior, em 10 de dezembro, terminou em impasse. Os argentinos mostraram-se irredutíveis, deixando claro que não cederiam em suas exigências. Poucos dias depois, o chanceler Rafael Bielsa disse que os negociadores argentinos passariam a ter uma atitude "canina" em relação ao Brasil: "Negociaremos com cara de cachorro e mostraremos os dentes".

O governo Kirchner apresentou ao governo brasileiro uma bateria de mecanismos, entre os quais a aplicação de medidas para proteger setores empresariais de um país quando houver desequilíbrios macroeconômicos em outro país-sócio do Mercosul. A Argentina também exige a aplicação de salvaguardas para o caso de eventuais invasões de produtos de um país em outro.

Na lista de exigências da Argentina, está a criação de um "código de bom comportamento" dentro do bloco, para evitar que ocorram preferências excessivas de uma empresa estrangeira para se instalar em um único país do Mercosul.

Fredy Krause

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro Neto (PTB-PE), enviou ontem uma carta ao presidente da União Industrial Argentina, Héctor Méndez, manifestando, em nome da indústria brasileira, "repúdio à forma descortês e deselegante" com que ele se referiu ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, Luiz Fernando Furlan.

Ao se referir a críticas feitas por Furlan aos empresários argentinos, nas quais os acusou de não se modernizarem e de obstaculizar o comércio dentro do Mercosul, Méndez afirmou sobre Furlan: "É um criador de galinhas".

Na carta enviada à União Industrial Argentina, da qual foi encaminhada cópia também a Furlan, Monteiro Neto afirma que a atitude de Méndez "não se coaduna com a tradição das relações institucionais e pessoais entre Brasil e Argentina, que sempre se pautaram pelo respeito e pela cordialidade recíprocos. Também não contribui para o avanço das relações bilaterais, tão importantes para os dois países". Segundo Monteiro, "o eventual contencioso comercial existente em algumas áreas somente poderá ser resolvido pela via do diálogo construtivo e da mútua cooperação".

Na carta, o presidente da CNI afirma, também, que "a autoridade pública do ministro não deveria ter sido atingida da forma como ocorreu, independentemente da atividade profissional por ele antes exercida antes no setor privado". Essa afirmação diz respeito à referência feita por Méndez ao fato de que Furlan foi presidente da Sadia, antes de ocupar o ministério. Encerrando a carta, Monteiro manifesta sua esperança de que Méndez "possa reavaliar sua posição".