Título: Paz no campo
Autor: Xico Graziano
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/01/2005, Espaço Aberto, p. A2

Ano novo significa esperança. Na cidade e no campo, ricos e pobres, todos torcem pelo amor, emprego, saúde, paz. Começa o ano, melhora o astral coletivo. Como estará o humor da agricultura em 2005? Sabe-se, de antemão, que na economia haverá uma inversão de papéis. O crescimento do PIB dependerá mais do desempenho do setor urbano-industrial. Acontece que a queda internacional dos preços agrícolas vai afetar o desempenho da agricultura, já que nos últimos três anos o agronegócio segurou a economia brasileira. É bom explicar. Falar em agronegócios significa se referir ao conjunto de atividades ligadas à produção rural. Envolve a pecuária e a agricultura, propriamente ditas, somadas aos demais setores que produzem insumos para a zona rural, ou processam matérias-primas e prestam serviços ao campo. Como se percebe, agronegócios não têm nada que ver com tamanho da terra, familiares ou patronais, como volta e meia aparece algum leigo falando bobagem. Não. Quer dizer, isso sim, a somatória do valor gerado nas cadeias produtivas - atividades agrícolas, industriais e serviços - que se originam da terra. Do boi ao açougue, da laranja ao suco na lanchonete, do leite ao iogurte. Pois bem, o efeito da queda de preços já se refletiu no desempenho dos agronegócios no segundo semestre de 2004. O complexo soja, líder das exportações nacionais, viu cair sua previsão inicial de receitas de US$ 12 bilhões para US$ 10 bilhões neste ano. Essa redução esfria as economias locais. As regiões de fronteira agrícola, como Mato Grosso, Goiás, Bahia, Maranhão, que viviam uma euforia, sofrerão perversos efeitos. Para se ter uma idéia, a saca de soja vendida por US$ 16 vale hoje US$ 9. Da mesma forma, Estados tradicionais produtores, como Rio Grande do Sul e Paraná, sentirão seu interior mais triste em 2005. Hora de apertar o cinto. Nas culturas permanentes, sinal amarelo para a citricultura. Um ciclo bastante favorável de preços, com harmonia entre produtores e indústria, está cedendo lugar a muita apreensão. As exportações de suco concentrado não elevam seu patamar, comprimindo a demanda. E, para piorar, aumenta a concentração na indústria, facilitando manipulação de preços. Pode azedar o caldo. Por outro lado, após quatro anos de sofrimento, a cafeicultura defronta-se com mercado favorável e preços em elevação. Os produtores serão mais bem remunerados e isso vai fortalecer a renda agregada em vastas regiões de Minas Gerais e Espírito Santo, especialmente. O sorriso tomará conta dos cafezais. Sinal positivo, também, para a cana-de-açúcar. O setor sucroalcooleiro está excitado, dada a retomada da confiança no álcool combustível, aqui e lá fora. Não se fala noutra coisa: com a vigência próxima do Protocolo de Kyoto, as nações ricas precisam reduzir suas emissões de carbono e, inevitavelmente, entrarão no ciclo do álcool. Com o preço do petróleo nas alturas, o combustível renovável surge imbatível. Na pecuária, que envolve principalmente carne bovina, leite, aves e suínos, as perspectivas são boas. Em 2004, as exportações do grupo de carnes cresceram 53%, um show de competência. No mercado interno, a oferta acompanha a demanda das famílias, mesmo porque, desgraçadamente, esta não cresce muito. Santa Catarina, baluarte da suinocultura e da avicultura nacional, está radiante. Como se percebe, boas notícias convivem com maus presságios. Aliás, um país continental como o Brasil jamais pode ter sua agropecuária analisada de forma homogênea. Os ecossistemas são distintos; as atividades agropecuárias, variadas. O uso da média em economia rural causa, com freqüência, monumentais erros de interpretação. O governo está, felizmente, preocupado com as deficiências de infra-estrutura. Estradas esburacadas, armazenagem insuficiente, portos emperrados, ferrovias mal paradas. O Brasil nunca atingirá o patamar das grandes nações agrícolas sem investir continuadamente na base da produção. Tomara que em 2005 as vias de escoamento da safra estejam engraxadas. Sobre a biotecnologia ninguém faz aposta. As divisões internas do governo impedem que se visualize um desfecho para a engenharia genética. Num cenário de maior competição, o agricultor nacional vai perder força, principalmente no algodão. Está aqui um grande desafio. Por fim, um espectro ronda o campo. As invasões de terras estão tirando o sono dos produtores rurais e das empresas que investem no agronegócio. O que o Lula vai fazer com o MST? Ninguém arrisca dizer. O ano novo, cheio de esperanças, bem que poderia extrair essa grande dúvida da cabeça dos brasileiros. É certo que há injustiças terríveis a serem reparadas, no campo e na cidade. Mas brandir a foice será o caminho adequado para combater a exclusão social? Nada indica. Ao contrário, beira um clima de impunidade na roça, um descaso pelas instituições, um desprezo pela democracia. Germina a violência. Aqui mora o pior agouro do ano novo, a insegurança sobre o futuro. Os champanhes e as cidras já viram suas rolhas estouradas, alegrando a mente e o coração das pessoas. Passada a festa, todavia, resta a dura realidade rural. Velas serão acesas para São Pedro. Rezas se ouvirão desejando bons preços. Mas que ninguém se engane. Nem a chuva farta nem o mercado garantido serão mais desejados que a paz no campo. Feliz 2005. Xico Graziano, agrônomo, foi presidente do Incra (1995) e secretário da Agricultura de São Paulo (1996-98). E-mail: xicograziano@terra.com.br