Título: "Esses 130 anos são a vitória de um ideal em defesa da democracia"
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/01/2005, Vida &, p. A10

Há 56 anos na redação de O Estado de S. Paulo, onde começou a trabalhar em outubro de 1948 na editoria Internacional, o diretor Ruy Mesquita analisa a trajetória do jornal, que foi fundado em 1875 com o nome de A Província de São Paulo. "Esses 130 anos significam a vitória de um ideal em defesa das instituições democráticas", afirma o jornalista. Qual é o significado desses 130 anos para a história de um jornal? Quais foram os pontos marcantes no perfil do Estado, que está sob controle da família Mesquita há mais de 100 anos?

Significam a vitória de um ideal, de um projeto político, em primeiro lugar, que não se completou com a implantação do regime republicano, pois continuamos na luta para aperfeiçoar as instituições democráticas brasileiras - mas que já é vitorioso na medida em que não há dúvida, neste terceiro ano de governo do ex-metalúrgico Lula da Silva, de que a democracia brasileira está plenamente consolidada. Não são muitas as empresas de qualquer tipo, e muito menos as jornalísticas, que duram 130 anos. Isso prova que a trajetória marcada pelo meu avô e seguida fielmente pelos seus filhos, netos e bisnetos era aquela que possibilitaria o sucesso da empresa. Um jornal como o Estado não é apenas um registro da História, mas um agente da História. O Estado de S. Paulo nunca pôs os interesses empresariais antes dos interesses políticos - e, quando digo interesses políticos, quero dizer a defesa dos interesses nacionais. Foi isso que fez a sua grandeza como empresa, a despeito de todas as crises que ela atravessou durante esses 130 anos.

Como o senhor imagina ou espera que será o futuro do jornal, nas próximas décadas, nos próximos 130 anos?

É difícil responder a essa pergunta, considerando-se que o Estado, como todos os jornais escritos do mundo, está atravessando o período mais difícil de sua existência, com a concorrência de outros meios de informação, particularmente com o advento da internet. Muita gente acredita que o futuro da imprensa escrita esteja limitado no tempo, uma vez que o índice mais ilustrativo da crise enfrentada pelos jornais que não conseguem aumentar sua circulação, quando não estão perdendo leitores, é o fato de a idade média dos leitores estar aumentando em todos os países. Um dos casos mais dramáticos é o da França. Todos os grandes jornais franceses, a começar por Le Figaro, que no ano passado foi comprado pela Dassault, indústria construtora de aviões. Le Monde está numa crise financeira tremenda e Libération, que era o jornal mais lido pela juventude francesa até há pouco tempo, perdeu mais da metade de sua circulação nos últimos anos e acaba de ter 30% de suas ações compradas pelo Rothschild. O problema dos jornais franceses é o mesmo de todos os jornais do mundo: o desinteresse crescente das novas gerações pela leitura de jornais.

Como se explica esse desinteresse?

O desinteresse não se deve nem à informação televisiva nem à informação radiofônica, mas principalmente ao avanço da internet. Hoje em dia, as crianças praticamente nascem aprendendo a lidar com a internet. Mas não temo pelo futuro da imprensa escrita. Os jornais que são atingidos pelo que já chamei de processo de "murdochização", - a mentalidade empresarial do milionário Rupert Murdoch, que transformou o tradicional Times de Londres em tablóide - não terão vida longa. Só sobreviverão, no futuro, os jornais que se tornarem leitura indispensável de certos setores da sociedade, as classes dirigentes - os empresários, os intelectuais, os políticos - sem a pretensão de concorrer em termos de números de circulação com as audiências da internet ou mesmo da televisão. Ninguém lê jornal para se distrair ou se entreter. Lê para se informar, para se atualizar, para, enfim, melhor se preparar para vencer na vida, para exercer plenamente a sua cidadania. O jornal hoje pode ser comparado à antiga Ágora ateniense, onde os cidadãos da Grécia de Péricles se reuniam para se informar dos negócios públicos.

Quando surgiram o rádio e a televisão, não se dizia que os jornais não resistiriam à concorrência?

Aconteceu exatamente o contrário do que se temia. Nem o rádio nem a televisão concorreram com os jornais. Ao contrário, fizeram aumentar a circulação dos jornais. O noticiário do rádio e da televisão é um noticiário em pílulas que desperta a curiosidade nas pessoas medianamente inteligentes. A função do jornal escrito é situar essa informação no tempo e no espaço históricos, para que a pessoa compreenda o que está ouvindo e vendo no rádio e na TV, principalmente quando o noticiário trata da evolução dos processos políticos, sociais e econômicos, longos e recorrentes, como é o caso, por exemplo, da crise na Palestina, que nasceu há mais de 2 mil anos e está diariamente nos noticiários da mídia há 57 anos - desde a fundação do Estado de Israel.

O Estado é hoje um grupo empresarial, que tem não apenas o Jornal da Tarde, mas outros veículos de comunicação. A abertura desse leque é uma saída para o futuro da empresa, para a sobrevivência do jornal?

Não há condição econômica para que um jornal escrito sobreviva sozinho. O Estado tem de fazer parte, como todos os grandes jornais americanos, de um conglomerado de mídia que inclua o rádio, a televisão, a internet, ou melhor, o que nós fazemos pelo sistema da Broadcast, informação online que certamente é o grande futuro da empresa.

Seu pai, Julio de Mesquita Filho, e seu tio Francisco Mesquita enfrentaram grandes dificuldades, como censura, prisão, exílio e até a intervenção no jornal. Quais foram os períodos mais críticos para a empresa?

Do ponto de vista político, é muito fácil responder. Tenho quase certeza de que, salvo uma catástrofe que não se pode prever, a estabilidade democrática no Brasil está consolidada. Então, os períodos de dificuldades que tivemos no passado certamente não se repetirão - os dois períodos ditatoriais, o primeiro de Getúlio Vargas e o segundo, o da ditadura militar. No primeiro, as conseqüências pessoais para os membros da família de diretores foram muito mais diretas e dolorosas do que no período do regime militar. Na ditadura de Vargas, meu pai e seu irmão Francisco foram exilados juntos em 1932 e sofreram depois, em 1940, a ocupação do jornal, o confisco do jornal pela ditadura. Antes disso, meu pai voltou a ser exilado em 1938, logo depois do golpe de 1937, e ficou cinco anos no exílio. Do ponto de vista político, esses foram os períodos mais difíceis. Felizmente, parece que essa fase foi definitivamente encerrada com a volta do regime democrático em 1985. Quanto às crises financeiras, que foram inúmeras, não sei dizer quais foram as mais difíceis. Vivi só duas, uma nos anos 70 e outra agora, a crise que estamos acabando de superar, com o equacionamento de nossas dívidas. Mas isso está mais bem explicado na entrevista de Francisco Mesquita Neto, publicada nesta mesma edição.