Título: 'Estado', uma trajetória de luta
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/01/2005, Vida &, p. A10

O jornal O Estado de S. Paulo, que comemora hoje 130 anos de existência - 125 de vida independente -, nasceu do ideal de um grupo de republicanos, no dia 4 de janeiro de 1875, com o nome de A Província de São Paulo. Conservou este nome até 31 de dezembro de 1889, um mês após a queda da monarquia, atendendo ao pedido de colecionadores que não gostariam de arquivar logotipos diferentes num mesmo ano. Embora defendesse a mudança de regime, pregando o fim do Império para a proclamação da República, o novo diário se apresentou como um órgão independente, sem compromissos partidários. "A Redação aceita informações justas e autorizadas relativas a serviços públicos e desmandos da administração e governo", anunciava a primeira edição.

"Criada pelo concurso de capitais fornecidos por agricultores, comerciantes, homens de letras e capitalistas", a Província saiu com uma edição de 4 páginas e 2.025 exemplares. Foi pioneira em venda avulsa, pois até então todos os jornais de São Paulo eram distribuídos por assinatura ou procurados pelos leitores em suas redações.

Barrete branco na cabeça, uma buzina na mão e um maço de jornais debaixo do braço, o francês Bernard Gregoire inovou o mercado. Toda manhã, ele saía a cavalo pelas ruas da cidade, gritando as notícias do dia - a imagem do jornaleiro que mais tarde seria incorporada ao ex-libris do Estado. A concorrência - Correio Paulistano, O Ipiranga e Diário de S. Paulo - ridicularizou a inovação, mas a tiragem da Província disparou.

Tipografia e escritório ocupavam um sobrado da Rua do Palácio, antiga Rua das Casinhas, atualmente Rua do Tesouro, esquina com Álvares Penteado, no centro velho. A capital paulista tinha 2.992 prédios e cerca de 20 mil habitantes. Entre os proprietários do novo jornal, destacavam-se Américo de Campos e F. Rangel Pestana, "responsáveis pelos atos praticados em nome da sociedade". O administrador, José Maria Lisboa, morava com a família nos fundos do prédio.

Em 1888, quando o nome de Julio Mesquita apareceu no alto da primeira página como diretor-gerente, o jornal comemorou a abolição da escravatura. Era uma causa pela qual vinha lutando desde a fundação. "Agora começa o trabalho de libertar os brancos", advertiu a Província já na edição de 13 de maio, reiterando a disposição de continuar defendendo o ideal republicano.

"Viva a República." Esta foi a manchete de 16 de novembro de 1889, numa comemoração de página inteira, antológica, cuja única ilustração era o desenho de um gorro frígio, alegoria da liberdade conquistada. Nas páginas internas, o noticiário sobre os acontecimentos da véspera e a constituição do governo provisório no Rio. No dia 18, o jornal noticiava com detalhes o embarque da família imperial para o exílio.

NOTÁVEIS INOVAÇÕES

Com a saída do redator-chefe Rangel Pestana, que se afastou para trabalhar no projeto da Constituição em Petrópolis, Julio Mesquita assumiu a efetiva direção de O Estado de S. Paulo, então já com este nome. Iniciou-se um período de notáveis inovações. O jornal contratou a agência Havas, atual France Presse, cujos telegramas deram mais agilidade ao noticiário internacional.

Em abril de 1890, publicou-se um clichê como ilustração de primeira página, um retrato do caixeiro José Teixeira da Silva, morto num incêndio da Loja da China. A tiragem, que girava em torno de 10 mil exemplares, saltou para mais de 18 mil em março de 1897, com a publicação de notícias da Campanha de Canudos. "Um jagunço degolado não verte uma xícara de sangue", informava um dos primeiros despachos de Euclides da Cunha, enviado especial ao sertão da Bahia.

Amigo de Julio Mesquita, que o havia contratado, Euclides começou a escrever para o jornal com o pseudônimo de Proudhon, ao lado de colaboradores como Júlia Lopes de Almeida, Aluísio de Azevedo, Raimundo Correia, Alberto de Oliveira e Raul Pompéia. O repórter que publicaria Os Sertões saiu da redação com a missão de tomar notas e fazer estudos para escrever um trabalho de fôlego sobre Canudos e Antônio Conselheiro.

Durante a 1.ª Grande Guerra, Julio Mesquita escreveu boletins ou artigos semanais em que analisava o conflito. Nesses artigos, que em 2002 seu bisneto Ruy Mesquita Filho reuniu no livro A Guerra, em quatro volumes, o jornalista tomou posição inequívoca em favor dos aliados. Em represália, indústrias alemãs cortaram os anúncios que faziam no jornal.

Em 1915, a empresa lançou uma edição vespertina que circulou até 1921 e ficou conhecida como Estadinho, um jornal irrequieto e às vezes irreverente, em comparação com o Estadão, como era chamada a edição da manhã. Seu diretor era Julio de Mesquita Filho, que iniciava sua carreira de jornalista, enquanto seu irmão, Francisco Mesquita, se dedicava à área administrativa.

Terminada a guerra, o jornal enfrentou tempos difíceis com a gripe espanhola, que fez milhares de vítimas em São Paulo, entre as quais dois redatores de sua equipe. Em nota de primeira página, aconselhou a população, na edição de 2 de novembro de 1918, a procurar hospitais e postos de saúde. "O Estado só não suspendeu sua publicação por milagre", observou Paulo Duarte, ao escrever a história do jornal.

O escritor Monteiro Lobato, que estreou com um artigo sobre a situação dos trabalhadores rurais, escreveu outro em que retratava a figura do Jeca Tatu. Era um dos colaboradores do jornal, ao lado de Olavo Bilac e Guilherme de Almeida. Em 1922, o Estado comemorou o Centenário da Independência com uma edição de 64 páginas, um marco na época. Na capa, uma grande ilustração com as imagens de d. Pedro I e do patriarca José Bonifácio.

Na Revolução de 1924, quando revoltosos comandados pelo general Isidoro Dias Lopes ocuparam e bombardearam a capital de São Paulo, o jornal sofreu as conseqüências de sua posição de neutralidade. Censurado pelos revolucionários durante a ocupação, foi suspenso no dia 29 de julho pelas forças federais de Artur Bernardes. Julio Mesquita foi preso e enviado para o Rio.

SEDE PRÓPRIA

Com a morte de Julio Mesquita, em 15 de março de 1927, Julio de Mesquita Filho e Nestor Pestana assumiram a direção do Estado. Dois anos depois, a redação e a administração, que desde 1906 funcionavam na Praça Antônio Prado, inauguraram sede própria na Rua Boa Vista, onde permaneceriam até o fim dos anos 40. Foram tempos difíceis para o jornal.

Julio de Mesquita Filho e seu irmão Francisco Mesquita, que apoiaram Getúlio Vargas em 1930, lutaram contra ele na Revolução Constitucionalista de 1932, quando São Paulo recorreu às armas para exigir uma nova Constituição. Foram presos e enviados para o exílio em Portugal. De volta ao País em 1934, quando seu cunhado Armando de Salles Oliveira foi nomeado interventor e depois eleito governador do Estado, Julio de Mesquita Filho coordenou a comissão que planejou e organizou a Universidade de São Paulo (USP).

Durante o Estado Novo, que consolidou a ditadura de Vargas em 1937, Julio de Mesquita Filho foi preso 17 vezes e de novo exilado. Primeiro em Lisboa e depois em Buenos Aires, onde se encontrava em 25 de março de 1940, quando soldados da Força Pública ocuparam a sede do jornal, sob a alegação de que seus proprietários armazenavam metralhadoras para derrubar o governo. O Estado passou cinco anos e meio sob intervenção - período que não se conta em sua história - e só foi devolvido em dezembro de 1945.

Em 31 de dezembro de 1951, o jornal inaugurou novo endereço - o moderno edifício-sede da Rua Major Quedinho, 28, onde permaneceria até junho de 1976. Foi ali que nasceu o Jornal da Tarde, de início vespertino, que inovou a imprensa brasileira pela apresentação gráfica e pela exclusividade de suas reportagens, sob a direção de Ruy Mesquita.

Após a morte de Julio de Mesquita Filho, em 1969, Julio de Mesquita Neto assumiu a direção do Estado. Começava o período mais duro do regime militar. O presidente Costa e Silva havia baixado o Ato Institucional n.º 5, em 13 de dezembro de 1968, quando o jornal foi apreendido por causa do editorial Instituições em Frangalhos, no qual criticava a medida.

O Estado e o Jornal da Tarde não se dobraram diante da censura imposta pela ditadura. Recusando-se a substituir as matérias cortadas, publicaram repetidamente versos de Os Lusíadas, de Camões (Estado), e receitas de bolos e doces (Jornal da Tarde). A censura só acabou em 4 de janeiro de 1975, quando o Estado comemorava o centenário de fundação.

Julio de Mesquita Neto, que morreria em junho de 1996, quando Ruy Mesquita assumiu o cargo de diretor, ganhou em 1974 o Prêmio Pena de Ouro para a Liberdade, atribuído pela Federação Internacional dos Editores de Jornais a quem se destaca na defesa da liberdade de imprensa.

A comemoração dos 130 anos de O Estado de S. Paulo coincide com o aniversário de fundação da Rádio Eldorado, que entrou no ar em 1958; do Jornal da Tarde, lançado em 1966, e da Agência Estado, criada em 1970. Sempre no dia 4 de janeiro.