Título: Israelense testa vacina contra a aids
Autor: Cristina Amorim
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/01/2005, Vida &, p. A8

A israelense Rivka Abulapia-Rapid, do Hospital Hadassah, em Jerusalém, está remando contra a maré. Enquanto a maioria dos cientistas que trabalha com aids busca vacinas para combater o HIV, ela prefere deixar o vírus de lado e se concentrar em fortalecer o corpo contra doenças oportunistas. Mais especificamente, ela enfoca um grupo de pacientes que não consegue ter seu sistema imunológico recuperado mesmo quando o vírus está sob o controle do coquetel anti-retroviral. Em uma pesquisa publicada em dezembro no periódico científico Journal of Clinical Virology, ela demonstra resultados da primeira fase de testes de uma vacina para interromper um processo auto-imune, quando o corpo começa a atacar a si mesmo. "No grupo de pacientes com contagem de CD4 (um tipo de célula branca) abaixo de 400, vemos que 60% deles não recuperam o sistema imunológico apesar do coquetel e da detecção baixa do vírus", diz Abulapia-Rapid. O processo deixa a pessoa ainda mais frágil a doenças perigosas como tuberculose e pneumonia. Confira a entrevista concedida ao Estado.

Por que enfocar o sistema imunológico dos portadores de HIV e não o vírus em si?

Porque todo mundo trabalha com o vírus. Ele está lá e causa o maior dano, certamente. Então todos se concentram em lutar contra o vírus e eliminá-lo. Só que hoje se pode controlar o vírus e ainda assim o paciente não consegue viver de forma tão limitada, com uma doença crônica como a aids, por 20, 30 anos. O sistema imunológico não está recuperado e está suscetível a todo tipo de infecção.

O HIV não mata, porém o sistema imunológico fica tão fraco que qualquer coisa é perigosa. A doença é uma síndrome imune porque, uma vez que o corpo está fraco, qualquer coisa pode matá-lo, como tuberculose e pneumonia. O que tentamos fazer é melhorar a vida do paciente com o coquetel e o nosso tratamento para, dessa forma, continuar a ter uma vida normal. Não importa se a pessoa contém alguns traços do vírus - se o sistema imunológico está forte, é possível viver com ele.

Como começou o trabalho?

Há mais de dez anos, foram publicados resultados de pesquisas que abriam a possibilidade de que o processo auto-imune envolvido na infecção fosse provocado pelo CD4, e não pelo vírus. Eu trabalhava no Centro de Biologia Humana do hospital e o diretor na época sugeriu que eu seguisse essa linha de trabalho e construísse um laboratório para fazê-lo. Mas foi muito difícil convencer o mundo - e esse é realmente o primeiro lugar que trabalha nessa linha - que a aids é uma doença auto-imune e que é possível tratá-la.

Como surgiria esse processo auto-imune?

O HIV ataca as CD4, um certo grupo de células brancas que morrem por causa do vírus. Às vezes, mesmo quando o vírus não é detectável, as CD4 continuam a morrer, não se recuperam. Por causa do longa infecção, o HIV faz muitas coisas ruins ao corpo, mata as células CD4 e induz o processo que causa a confusão do corpo, que ataca a si mesmo.

As células brancas CD4 são mortas por causa dessa confusão. Alguns dos pacientes se recuperam com o coquetel, mas outros não. Pensamos que, no futuro, o paciente pode tomar o coquetel anti-retroviral, mas também nossa vacina para recuperar o sistema imunológico. Assim oferecemos a melhor proteção contra as doenças infecciosas.

Quantas pessoas seriam afetadas pelo processo auto-imune contínuo?

A verdade é que alguns pacientes se recuperaram, e o coquetel atua nesse sentido. Mas cremos que cerca de 60% dos pacientes, com contagem das células brancas C D4 abaixo de 400, não têm o sistema fortalecido, apesar da baixa detecção do vírus. Isso significa que há algo errado e imagina-se que há um processo auto-imune que continuamente mata as células brancas.

Como a vacina funciona?

Primeiro isolamos as células brancas do sangue de cada paciente, particularmente as envolvidas em causar a doença. Nós as chamamos de células destruidoras, ou assassinas. O corpo sente como se houvesse algo de fora e ataca.

Depois de isolarmos essas células específicas, nós as matamos e preparamos a vacina com base na proteína delas. Não fazemos modificações moleculares. Quando se prepara qualquer tipo de vacina, como contra o tétano, injeta-se uma bactéria morta sob a pele e o corpo entende que essa bactéria é estrangeira. Se, em alguns anos, o corpo encontrar a mesma bactéria, há a "memória do combate", ou seja, o corpo sabe que precisa lutar contra ela. Ao injetar essa célula branca, ensinamos o corpo a eliminá-la da corrente sanguínea.

Parece um tratamento bastante caro, já que é preciso criar uma vacina para cada paciente.

Sim, não é barato porque tiramos o sangue do paciente e isolamos a célula em um laboratório específico. São necessárias 20, 30 milhões de células para prepararmos algumas injeções. Porém, no momento, é apenas um teste clínico, não é um tratamento ainda. Queremos melhorar a técnica, sintetizando parte da vacina. Poderia ser um trecho de uma proteína e é isso que procuramos para o futuro.

Quantas pessoas participaram da fase 1 da pesquisa?

Publicamos o resultado obtido com sete pacientes. Estamos em uma fase 1 estendida. O que procuramos agora é trabalhar com mais pessoas e outros tipos do vírus, os mais comuns na África. Estamos tentando trabalhar em conjunto e gostaríamos de colaborar com outros centros durante a fase 2, na busca por um tratamento.

Como vocês medem a resposta do sistema imunológico?

Checamos o nível de CD4, além do estado do vírus e a resposta das células brancas a diferentes antígenos. Depois de um ano, checamos novamente, e observamos uma queda das células brancas "ruins" e um aumento das células brancas que respondem a outras doenças, como tétano.

Havia um grupo de controle?

Sim, havia cinco pacientes que seguiram o tratamento convencional, apenas com o coquetel, e não se recuperaram, ao contrário daqueles que receberam a injeção. Na fase dois, teremos um teste cego, quando usaremos um placebo, uma substância inócua, para testar a eficiência da vacina.

Quando começa a fase 2?

A fase 2 depende de dinheiro. Conseguindo, podemos começar em alguns meses. Mas a questão é a verba e, bem, não há um laboratório grande investindo em nossa pesquisa, apenas um hospital e alguns colaboradores. Recebi alguns telefonemas e e-mails de empresas na Itália, e com isso abriu-se a possibilidade de elas analisarem o que fazemos. Conversamos também com alguns laboratórios e estamos em negociação.

Qual foi o impacto do trabalho publicado?

Foi ótimo, porque o mundo percebeu que o coquetel anti-retroviral não é suficiente. Fui convidada para dar palestras em universidades, professores de outros países querem colaborar nas áreas de virologia e doenças infecciosas e até pacientes ligam.

Acho que o estudo foi publicado no momento correto, porque há um desapontamento geral em relação ao coquetel. Ele é bom, mas não é suficiente para a recuperação completa do paciente, pois não reabilita o sistema imunológico, não de todo mundo.