Título: Varig terá estatização temporária
Autor: Isabel Sobral
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/01/2005, Economia, p. B15

A saída para o saneamento da Varig deverá passar pela estatatização temporária da companhia, admitiu ontem o vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar. A linha geral de um plano de reestruturação da Varig, explicou, deve envolver a transformação de suas dívidas em participação acionária, com um aumento do seu capital. Segundo o vice-presidente, como há órgãos governamentais entre os credores da Varig, há a hipótese de o controle da empresa tornar-se estatal, mas isso seria temporário. "A estatização imediata pode ser uma conseqüência da transformação de créditos em capital, porém, sem nenhuma intenção de estatizá-la porque simultaneamente essas ações seriam vendidas em leilão público", afirmou Alencar, depois de uma reunião de quase três horas com os diretores da Fundação Ruben Berta - controladora de 87% do capital votante da Varig - e representantes da consultoria Trevisan e do Unibanco, contratados pela empresa aérea para elaborar seu plano de reestruturação.

De acordo com o esboço apresentado ontem, serão necessários entre quatro e seis meses para que todos os detalhes operacionais e jurídicos estejam concluídos. O presidente da Varig, Luiz Martins, disse que a empresa estuda medidas de curto prazo que ajudem a suportar a situação enquanto o plano está sendo formulado. "Mas, não haverá enxugamentos (de pessoal)", comentou.

Uma das dúvidas sobre a troca de dívidas por ações é se os credores da companhia têm interesse ou mesmo autorização em seus estatutos - como as estatais Infraero, Banco do Brasil e Petrobrás - para serem acionistas da Varig, mesmo que por um curto tempo. Na semana que vem, adiantou Alencar, a questão começará a ser analisada em nova reunião para a qual serão convidados todos os credores públicos e privados. "Os credores que não quiserem, ou não puderem ser acionistas, ainda poderão alongar os prazos das dívidas, mas farão isso para uma empresa saneada", disse.

Para Alencar, ao serem colocadas as ações da empresa em leilão público, os possíveis compradores terão que ser pré-qualificados, além de demonstrarem ter condições de assumir o comando de uma companhia aérea, citando como exemplos as concorrentes Gol e TAM. "Senão, podem aparecer pessoas que não estejam em condições de operar no setor com responsabilidade", comentou.

A "estatização temporária" da Varig é apenas uma das alternativas que estão sendo consideradas pela Fundação Ruben Berta, segundo fontes no grupo. O principal argumento contra essa alternativa é o risco de não se encontrar nenhum comprador para as ações que foram estatizadas pelo governo. Além disso, essa alternativa deve ficar restrita a menos de 30% da dívida de R$ 6 bilhões - seriam as dívidas com fornecedores estatais e com o setor privado (GE e Boeing). E, mesmo assim, ainda não está claro se a Infraero, por exemplo, poderá virar acionista de uma empresa aérea. Ficariam de fora de uma conversão em ações as dívidas com a Previdência e a Receita Federal (no valor de R$ 3 bilhões) e com o fundo de previdência dos funcionários, o Aerus (R$ 970 milhões).

"Uma coisa é certa. Governo e credores vão perder em uma operação de conversão de dívidas em ações", avalia o consultor de aviação Marcelo Ribeiro, da consultoria Pentágono DTVM. "Mesmo se o governo entregar a empresa enxuta, sem esqueletos, vai haver um grande deságio."

Para atrair investidores privados, a Fundação Ruben Berta está disposta a ver sua participação acionária no grupo Varig ser reduzida a cerca de 5%, disse ontem ao Estado o presidente da VarigLog e membro do conselho da Fundação, João Luis Bernes de Sousa.

A Fundação também está lutando para que o novo controlador adquira o grupo por inteiro, sem fatiá-lo. A exceção seria a divisão de hotéis, a Rede Tropical. Além da empresa aérea, os principais ativos do grupo são a VarigLog, de carga, e a Vem, empresa de manutenção.

Bernes de Sousa afirma que o grupo vem recebendo a sinalização de diversos investidores. Mas as conversas até agora foram todas informais. "Ninguém teve acesso aos nossos números ainda."

O sucesso do plano de reestruturação, seja qual for o desenho final, irá depender ainda das definições do governo em relação ao marco regulatório do setor aéreo e a aprovação da lei de falências, avalia Ribeiro, da Pentágono. "O setor tem de estar regulamentado para atrair grandes investidores."

Outra questão que precisa ser definida pelo governo é como será feito o chamado encontro de contas. A companhia ganhou no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em dezembro passado, uma ação de indenização contra a União por perdas com planos econômicos. Essas perdas seriam da ordem de R$ 2 bilhões. O governo ainda não deixou claro se irá pagar esse crédito amortizando a dívida de R$ 3 bilhões que a empresa tem com Receita e Previdência, dívida esta que foi renegociada e alongada para 18 anos.

MERCADO

O vice-presidente Alencar se mostrou otimista com a idéia que classificou como "solução de mercado" para a companhia que hoje tem um patrimônio negativo de cerca de R$ 6 bilhões. "Foi uma apresentação consistente e estamos saindo de uma reunião certos de que há uma alternativa àquela da liquidação extrajudicial que não é boa", ressaltou.

A intervenção e a divisão da Varig em duas empresas foi cogitada pelo governo na época do ministro da Defesa, José Viegas. O ministro evitou responder se haverá ou não um encontro de contas entre governo e Varig.

Alencar demonstrou que há interesse do governo em negociar um plano que tire a Varig da situação financeira difícil. Ele ressaltou que a empresa tem prestígio na sociedade, além de marca e presença internacional fortes. "No entanto, isso pode não valer nada diante da desestruturação financeira atual", afirmou. Para evitar acusações de privilegiar a Varig, o ministro afirmou que a mesma saída poderia ser adotada pela Vasp. "Mas, para isso, teria que ter interessados em fazer o mesmo tipo de modelo de reestruturação, com a contratação de um banco e consultores, além do interesse dos credores", completou.