Título: As responsabilidades do PT
Autor: José Genoino
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/01/2005, Espaço Aberto, p. A2

No decurso de 2005 o PT se deparará com um conjunto de tarefas e responsabilidades que precisam ser tratadas com seriedade e empenho para garantir êxito e estabilidade ao governo e bem servir à sociedade, que conferiu ao partido a missão de governar o Brasil. Algumas dessas tarefas são imediatas; outras, mediatas.

Entre as primeiras, destacam-se a reforma ministerial e a eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados. Quanto à reforma ministerial, claro que o PT tem seus interesses legítimos em relação ao Ministério. Mas o PT, respeitando a autonomia que deve existir entre partido e governo, não pode criar obstáculos ao presidente Lula para processar as mudanças que julgar necessárias. Lula tem o mandato popular para constituir sua equipe de auxiliares e tomar as decisões que julgar convenientes.

O PT, de fato, poderá perder um ou outro ministério. Mas é falsa a tese, alimentada por alguns analistas, de que isso representaria uma espécie de "despetização do governo". Falsa por dois motivos. Primeiro, porque o PT elegeu o presidente da República e está bem representado no Ministério. Segundo, porque o PT é um partido aliancista e entende que a constituição de coalizões partidárias para governar é uma necessidade, que decorre de duas razões.

A primeira razão é de natureza instrumental, vinculada à necessidade da formação de maiorias congressuais para garantir a governabilidade. A segunda, e talvez a mais importante, é de natureza estrutural e foi formulada conceitualmente na resolução da última reunião do Diretório Nacional do partido. A partir daquela resolução, o PT passou a conceber as alianças eleitorais e governamentais também como decorrência de uma necessidade justa e legítima de compartilhamento de poder com outras forças, no contexto de uma sociedade multiculturalista e de um sistema partidário pluralista. A resolução sustenta que a definição de um projeto para o Brasil (ou para cidades e regiões) não depende de um exclusivismo partidário, mas será, necessariamente, obra coletiva e compartilhada entre várias forças políticas e sociais. É a partir deste enfoque que o PT concebe o Ministério como um espaço de responsabilidade compartilhada entre partidos que confluem para um projeto comum, que se deverá expressar em termos eleitorais em 2006, na luta pela reeleição de Lula.

Na sucessão da presidência da Câmara, o PT tem em Luiz Eduardo Greenhalgh um candidato definido, que unifica a bancada petista e tem condição de ser uma expressão suprapartidária do conjunto dos parlamentares, governistas e oposicionistas. A eleição de Greenhalgh está incursa no respeito à proporcionalidade de todos os partidos na formação da Mesa Diretora. Politicamente, a sua candidatura está em sintonia com a aposta na necessidade de fortalecimento dos partidos e reformas no Congresso Nacional. Em relação ao Executivo e ao Judiciário, a eleição de Greenhalgh representará a configuração de uma relação autônoma e respeitosa, orientada pelo objetivo de contribuir positivamente para o aperfeiçoamento do nosso aparelhamento democrático.

A tarefa mediata mais importante que se apresenta como uma responsabilidade do PT consiste em trabalhar para criar condições para que pontos importantes da reforma política sejam votados ainda em 2005. Para o êxito desta tarefa o PT deve buscar um consenso básico, em torno de alguns pontos, envolvendo a maioria dos partidos, incluindo os de oposição.

Na nossa avaliação, existem três pontos, imbricados uns nos outros, que julgamos prioritários. Trata-se do financiamento público das campanhas, da adoção das listas preordenadas nas eleições legislativas e da fidelidade partidária. Para que o financiamento público das campanhas possa ser adotado e fiscalizado de forma contundente pela Justiça Eleitoral os partidos precisam acabar com a dispersão e o descontrole decorrentes do atual modelo de eleição dos representantes. O atual modelo, além de elevar o custo das campanhas, não permite uma fiscalização eficaz, por conta da descentralização das captações e dos gastos. Somente a centralização do financiamento público nos partidos, que deverão executar os gastos e prestar contas à Justiça, permitirá a definição racional de um modelo de fiscalização.

Ora, se a campanha para os Legislativos passará a ser partidária, acabando, inclusive, com a concorrência entre candidatos de um mesmo partido, a lista dos postulantes à representação deverá ser preordenada pelas instâncias partidárias. Deverão ser garantidos mecanismos para que as listas expressem o pluralismo e a democracia interna dos partidos. Com a adoção da lista preordenada, a lógica indica que o mandato parlamentar passará a ser também do partido, evitando-se o tradicional troca-troca.

Em 2005, o PT viverá um processo de renovação interna, que cobra também responsabilidades de seus dirigentes e militantes. A mais importante delas consiste em garantir uma unidade básica entre as principais correntes internas, sem que ela dilua divergências e a pluralidade. Unidade na pluralidade é a ambivalência que o PT precisa preservar. O PT deve seguir o caminho de sua afirmação com instituição propriamente partidária, e não como mera legenda que agrega interesses de grupos e de personalidades. Somente se afirmando e se definindo como partido o PT afirmará sua responsabilidade com os valores da ética republicana, com a justiça social, com um projeto para o Brasil e com os interesses da sociedade.