Título: Governo tenta juntar os cacos após derrota histórica na Câmara
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2005, Nacional, p. A4

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sofreu ontem sua maior derrota política. Numa eleição que durou 13h35, varando a madrugada, o Planalto perdeu o comando da Câmara para Severino Cavalcanti (PP-PE), conhecido como "rei do baixo clero". Por 300 votos a 195, Severino venceu no segundo turno Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), candidato oficial do governo à presidência da Casa. O revés atingiu em cheio o PT, que disputou rachado a eleição para a sucessão de João Paulo Cunha (PT-SP) e, apesar de contar com a maior bancada, de 90 deputados, não conseguiu emplacar nenhum nome na Mesa Diretora. Ontem à tarde, governo e PT ainda não haviam se recuperado do baque. Preocupados, ministros da coordenação política almoçaram na Casa Civil, no Planalto, para tratar da crise. A conclusão: o governo precisa juntar os cacos e "revolucionar" a forma de relacionamento com a Câmara. Mas há um dilema: os ministros não sabem se devem negociar com o baixo clero ou repactuar com os novos líderes.

"O presidente Lula não se cansa de dizer que todos nós temos de atender os parlamentares. É mais do que isso: precisamos descobrir de onde, exatamente, vem esse descontentamento. Caso contrário, poderemos ser pegos no contrapé mais uma vez", resumiu ao Estado um dos ministros que participaram da reunião. O resultado deve ter reflexos até na reforma ministerial prevista para este mês, já que o governo avaliará o grau de desobediência dos partidos aliados.

A ordem de Lula, no entanto, é para a equipe não superdimensionar o problema nem culpar a torto e a direito o deputado Virgílio Guimarães (PT-MG), que, ignorando todos os apelos, foi até o fim do embate no plenário e perdeu. Pior: Virgílio saiu atirando ao denunciar seu próprio partido pela prática de "fisiologismo" em favor de Greenhalgh. Os deputados José Carlos Aleluia (PFL-BA) e Jair Bolsonaro (PFL-RJ), da oposição, também não chegaram ao segundo turno.

A derrota governista escancarou a insatisfação dos deputados com o governo e a fragilidade da coordenação política do Planalto e da nova safra de líderes dos partidos, além de exibir traições na base aliada. De nada adiantaram promessas de liberação de emendas, distribuição de cargos e troca-troca partidário, na derradeira tentativa de salvar Greenhalgh do fracasso.

INSATISFAÇÃO

"Não fui eu que perdi. Foi o governo", resumiu ele. "O voto que me derrotou foi o de insatisfação com o tratamento dado pelo governo aos deputados da base, somado ao da oposição, que decidiu antecipar o processo eleitoral de 2006." Greenhalgh teve menos apoio no segundo turno, quando enfrentou Severino e o baixo clero da Câmara se animou. No primeiro round, o petista obteve 207 votos e, no segundo, 195. Se todos os 117 votos conquistados pelo petista Virgílio fossem para Greenhalgh, ele teria sido eleito com folga.

"Essa crise nada mais é do que a crise de representação dos partidos", diz o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). "O que aconteceu na Câmara põe na pauta a urgência da reforma política e partidária. Além disso, o governo tem de estabelecer mais diálogo com os parlamentares."

Ministros avaliam que o pano de fundo da crise foi a indefinição do governo sobre a emenda da reeleição, que possibilitava um segundo mandato para João Paulo na Câmara e José Sarney (PMDB-AP) no Senado. De maio de 2004, quando a emenda foi derrotada, até outubro - mês em que governistas tentaram ressuscitá-la -, poucos projetos foram votados na Câmara. Mais: o PT deixou em banho-maria o processo de escolha para substituir João Paulo e, quando a disputa interna foi deflagrada, o partido rachou.

"O grande derrotado foi o PT", afirmou José Genoino, presidente da legenda. Por causa da crise, o campo majoritário do PT - que reúne os moderados da sigla - adiou o encontro previsto para o fim de semana, no Rio. A reunião debateria os rumos do PT, que atravessa fase de inferno astral ao completar 25 anos.