Título: Um presidente católico, conservador, folclórico
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2005, Nacional, p. A6

Desde 2002, o agora presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), carrega consigo e coloca em frente à sua mesa de trabalho uma fotografia ampliada para 1,2 metro por 1,5 metro de um encontro que teve com o papa João Paulo II. O encontro ocorreu no Vaticano, durante a cerimônia de canonização da primeira santa brasileira, a Madre Paulina. "É o ser mais importante do mundo e também o meu protetor", afirma Severino. A ligação de Severino com a Igreja Católica é tão longa quanto sua idade: 74 anos. Filho de católicos conservadores, manteve a tradição religiosa. É um dos líderes da Movimento Carismático da Igreja, e não nega suas origens. Na Câmara, assumiu a ponta da tropa de combate ao projeto da então deputada Marta Suplicy (PT-SP) que autorizava o casamento de pessoas do mesmo sexo. É contrário à liberação das pesquisas de células-tronco, que podem ser autorizadas no projeto da Lei de Biossegurança, em tramitação na Câmara.

Deputado estadual, Cavalcanti tornou-se conhecido nacionalmente por ter assumido, em 1980, a liderança de um movimento pela expulsão do padre italiano Vito Miracapillo, que atuava em Ribeirão, na zona da mata Sul (Pernambuco), e se negou a participar da programação oficial do 7 de Setembro. O padre estava então há oito anos no Brasil e era um seguidor de dom Hélder Câmara, um dos líderes da Igreja Progressista.

Denunciado por Cavalcanti, Miracapillo foi expulso do Brasil com base no Estatuto dos Estrangeiros, no governo do então presidente João Figueiredo. O episódio causou um grande choque entre Severino e a ala da igreja que se intitulava progressista.

Ao chegar à Câmara dos Deputados, em 1995, logo percebeu que havia muita queixa quanto ao salário dos deputado, principalmente por parte de parlamentares do chamado "baixo clero". Sem perda de tempo, assumiu a liderança desse setor e passou a ser o porta-voz dos que pediam melhores condições de trabalho. Com dois anos de mandato, conquistou o cargo de segundo vice-presidente da Mesa Diretora.

Nunca mais deixou a Mesa da Câmara. E nunca deixou de ser considerado um deputado folclórico, com dificuldades de dicção e dono de discursos desacompanhados de emoção. É um deputado comum, que se destaca entre os comuns.

SUFOCO EM NY

Menos de um ano antes de tirar a fotografia com o papa João Paulo II, o Severino Cavalcanti viveu um dos momentos mais marcantes de sua vida. Em setembro de 2001, ele foi a Nova York participar de uma assembléia da Organização das Nações Unidas (ONU). Estava no quarto do hotel, próximo ao World Trade Center, quando a Al Qaeda atacou as torres gêmeas com dois Boeings 767. Sem entender o que havia acontecido, viu agentes do FBI e da CIA entrarem no hotel e renderem todos os hóspedes, mantendo-os incomunicáveis por 30 horas. "Foi o maior sufoco. Dizia que era deputado do Brasil e ninguém me entendia."

Severino gritava em português, porque não fala inglês. Agora, ao assumir a presidência da Câmara, contou que não tem curso superior nem é versado em nada. Comparou-se ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem se diz amigo. Lembrou que Lula foi para São Paulo num pau-de-arara e que, hoje, sem diploma, é presidente da República. A diferença, diz o deputado, é que ele desceu num ita (navio que fazia a viagem de Belém ao Rio).

Ao contrário de outros parlamentares que costumam viajar e não dar notícias, Severino carrega na sua biografia uma certa disciplina. Em 2002, em uma viagem que sempre quisera fazer, a Tessalonica, na Grécia, foi surpreendido por um telefonema do então líder do governo Arnaldo Madeira (gestão Fernando Henrique Cardoso) para que voltasse imediatamente. Havia uma votação muito importante. Ele rezou algumas ave-marias, despediu-se das terras gregas e chegou a tempo de participar da votação, embora já fossem 21 horas.