Título: A vergonha americana de esnobar o acordo
Autor: John Vidal
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2005, Vida &, p. A14

Enquanto o mundo comemora a entrada em vigor do pacto contra o aquecimento global, Bush continua a servir aos interesses da indústria de energia. Há, porém, um país onde não se verá celebração alguma - os Estados Unidos. Apesar de o Protocolo de Kyoto contar com a participação da maior parte dos países da Europa, e até mesmo da Rússia e da China, os EUA, em um ato de irresponsabilidade, decidiu ficar de fora, resignando-se a observar, da plataforma, a partida do trem.

É um fato particularmente extraordinário quando se sabe que a participação dos EUA seria, de longe, a mais significativa, já que o país é o maior poluidor em escala mundial, sendo responsável por um quarto dos gases de efeito estufa emitidos no mundo.

O governo Bush recusa-se a acreditar na ciência e insiste em não exigir dos gigantes corporativos que o apoiaram a adoção de uma liderança responsável. Em vez disso, curva-se diante dos lobbies do carvão, do petróleo e da indústria automobilística.

Nosso país comporta-se como uma superpotência insolente que só faz aquilo que quer, quando quer e da forma que acha melhor - pouco importam as conseqüências danosas dessa atitude. O que o governo está dizendo é que as regras que se aplicam ao resto do mundo não se aplicam a nós.

Num momento em que a cooperação internacional é mais importante do que jamais foi, nunca é demais enfatizar o enorme descompasso que hoje caracteriza a atitude dos americanos em relação ao resto do mundo. Em vez de liderar, colocamo-nos na porta de acesso ao futuro tolhendo uma tentativa bastante razoável de autopreservação.

Em seu último best-seller, State of Fear, o escritor Michael Crichton defende a idéia de que o aquecimento global seria fruto da imaginação de grupos ambientalistas desejosos de ganhar status e locupletar seus cofres. É como se disséssemos que a relação entre cigarro e câncer foi inventada por oncologistas, radiologistas e agentes funerários. Infelizmente, a obra de ficção pretensamente intelectual de Crichton talvez seja a única coisa que os americanos se dignem a ler sobre o aquecimento global.

Laurie David é curadora do Conselho de Defesa de Recursos Naturais