Título: Kyoto começa hoje com desvios
Autor: John Vidal
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2005, Vida &, p. A14

Dentro de 15 anos - talvez antes - a China vai superar os Estados Unidos como o maior emissor de gases de efeito estufa do mundo. Isso não significa que, em 2020, será um país rico. Até lá, a China terá 1,4 bilhão de habitantes com o nível econômico de um país semi-industrializado, como a Malásia hoje. Mas, apenas para chegar a esse ponto, terá de queimar três vezes mais energia que agora. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), as emissões de gases-estufa dos países em desenvolvimento vão ultrapassar as dos países desenvolvidos entre os anos de 2015 e 2020. A ausência no Protocolo de Kyoto de metas de redução para grandes nações em desenvolvimento, como China, Brasil, Índia, Nigéria e México, paira sobre o longo processo político que acompanha o tratado, que entra oficialmente em vigor hoje.

O acordo obriga países ricos - os maiores lançadores de gases de efeito estufa na atmosfera - a reduzirem suas emissões primeiro, entre 2008 e 2012, e isenta países pobres de fazerem o mesmo, pelo menos por enquanto. O fato é usado por gente como o presidente americano, George W. Bush, que cita a ausência desses países como uma das justificativas para não ratificar o protocolo.

A posição oficial do grupo de nações em desenvolvimento é não aceitar metas de redução a partir de 2013. Mas as conversações já começaram e a pressão deve aumentar a partir de hoje.

Assim como protocolo, entra também em ação o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), sistema que pode abrir oportunidades de investimentos no País, de acordo com a Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad). Os países ricos incapazes ou não afeitos a reduzir emissões domesticamente podem investir em projetos industriais de redução de emissão em países pobres - e depois reivindicar créditos de carbono por isso.

O primeiro projeto aprovado é brasileiro, com o objetivo de transformar gás em energia elétrica. Desenvolvido pela empresa NovaGerar em Nova Iguaçu (RJ), contou com investimentos do Banco Mundial e da Holanda. A coleta de gás resultará na redução de emissões de 14 milhões de toneladas de dióxido de carbono (CO2) nos 21 anos que dura o projeto. "Os benefícios locais incluirão melhor qualidade da água, redução dos riscos de explosão do gás, criação de emprego, 10% da energia gerada será doadas às escolas, hospitais e outros prédios públicos", dizem especialistas da ONU.

Apesar das vantagens, o MDL mostrou alguns problemas antes mesmo de ser posto em prática. O processo de candidatura ainda é demorado e caro, o que dificulta a implantação de projetos de pequena escala. Há dúvidas sobre quão efetivos são os planos para "sorver" o CO2 em áreas reflorestadas, como plantações de eucalipto - mais cedo ou mais tarde, o gás fixado será liberado de volta na atmosfera.

MAIS PETRÓLEO

O maior absurdo se concentra em empresas de produção de petróleo e mineração, que têm esperança de abocanhar alguns dólares do mercado emergente. "Um mecanismo destinado a promover o desenvolvimento sustentável e a proteção climática devia reduzir o número de projetos de carvão e petróleo, não proporcioná-los com um novo fluxo de receita e desviar financiamentos de projetos renováveis", diz Ben Pearson, da CDM Watch, organização independente que acompanha o sistema.

Person não é o único a reparar que há pouco interesse, pelo menos por enquanto, em planos de energia renovável para nações pobres. "Os países industrializados evitam a verdadeira tecnologia de desenvolvimento limpo", diz Nadia Martinez, do Institute for Police Studies. "O MDL transformou-se num esquema para transações comerciais que beneficia multinacionais com projetos não necessariamente adequados."

Para os especialistas, o volume de investimentos que pode ser transferido aos países emergentes é significativo. Apenas na Europa, 12 mil instalações industriais terão de reduzir suas emissões de gases.