Título: O homem por trás do fim do impasse regional: Fidel
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/02/2005, Internacional, p. A18

Fidel Castro talvez lidere um dos poucos remanescentes "postos avançados da tirania" do mundo, mas o ditador cubano fez aos EUA o grande favor de quebrar o impasse que ameaçava provocar um sério conflito entre dois países de enorme significado estratégico para Washington. Sem a intervenção diplomática de Fidel, não haveria certeza se os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Álvaro Uribe, da Colômbia, se reuniriam ontem em Caracas para ajudar a reduzir a tensão entre os vizinhos sul-americanos. A fervura começou a levantar há dois meses, desde que Rodrigo Granda, um líder da guerrilha Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), foi detido em Caracas, capital venezuelana. Para Uribe (e muitos outros colombianos), a prisão foi apenas uma clara prova de algo que havia muito tempo se suspeitava: que a Venezuela de Chávez estava providenciando refúgio seguro para rebeldes colombianos.

Chávez tinha rejeitado veementemente a acusação, e ficou irritado quando soube que os colombianos tinham pagado caçadores de recompensas para capturar Granda em Caracas, em violação à soberania da Venezuela. Pelo certo, Uribe deveria ter-se utilizado dos canais oficiais para pedir a extradição de Granda. Mas a reação de Chávez apenas levantou a questão sobre o quanto seu governo era negligente na perseguição aos líderes guerrilheiros colombianos.

Embora o encontro de ontem tenha sido, sem dúvida, bem-vindo, é pouco provável que ele resolva a questão completamente. A mais séria crise diplomática entre os dois países desde 1987, quando uma disputa territorial os colocou perigosamente à beira da guerra, não se dissipará facilmente. A desconfiança mútua e as suspeitas persistirão. Uribe está determinado a ir além na busca de "terroristas", como Granda, e parece estar coletando informações para pressionar Chávez a esclarecer seus possíveis vínculos com guerrilheiros colombianos. No ano que vem, ambos os presidentes estarão em busca de reeleição e ambos perseguem a implementação de projetos nacionais - a "revolução bolivariana", de Chávez, e a "segurança democrática", de Uribe - que estão em rota de colisão.

Mas a grande possibilidade de uma possível conflagração - apenas no campo econômico, o comércio entre Venezuela e Colômbia alcançou aproximadamente US$ 1,7 bilhão no ano passado - causou a predominância das cabeças frias e ajudou a baixar a tensão agora.

De acordo com informações do diário colombiano El Tiempo, foi Uribe - o linha-dura e forte aliado dos EUA, mas sempre um pragmático - que contactou Fidel para pedir sua ajuda na disputa. Fidel então despachou seu ministro de Relações Exteriores para Caracas, acompanhando a mediação peruana e brasileira. O fato de Uribe ter decidido procurar Fidel - e o fato pelo qual seu apelo por ajuda funcionou - mostrou que o ardiloso cubano mantém sobre Chávez uma influência maior do que qualquer outra figura política da região. O caso também deixa claro que, no futuro planejamento da política hemisférica dos EUA para negociar com o crescentemente autoritário e imprevisível Chávez, Cuba não poderá ser ignorada. Apesar de ter um regime repugnante, ele pode exercer um papel construtivo.

O governo dos EUA estava afastado desta disputa por ter manifestado tão rapidamente e abertamente seu apoio a Uribe. A preferência por Uribe não é secreta - a Colômbia é a maior beneficiária dos programas de ajuda militar dos EUA fora do Oriente Médio. Ao mesmo tempo, durante sua audiência de confirmação, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, qualificou Chávez de "força negativa" na região. Apesar de a Venezuela ser a responsável por 15% das importações de petróleo dos EUA, Washington continuamente tem desafiado e alfinetado Chávez.

A deterioração das relações entre os EUA e a Venezuela também incapacitou a Organização dos Estados Americanos (OEA) em seu papel de pacificadora. Neste contexto polarizado, os países membros da OEA preferiram não tomar partido entre os poderosos EUA, junto com a Colômbia de um lado, e a Venezuela rica em petróleo, de outro. Assim, apenas Cuba (suspensa da OEA desde 1962) estava em posição de assumir o papel de mediação.

* Michael Shifter, vice-presidente do Diálogo Inter-Americano, escreveu para 'The Washington Post '